sexta-feira, 10 de abril de 2009

São as paredes brancas

Farto destas paredes brancas a seguirem-me para todo o lado, cedo caio no chão da impureza e encontro lá o meu espelho há tanto tempo partido. Que tenho eu de dar ao mundo para estas paredes caírem para me deixarem ver a liberdade do céu azul e cinzento? Já tenho as mãos manchadas de sangue, limpo-as com a língua para saciar a minha sede e perder um pouco mais da minha sanidade. Já fiz o sacrifício de me levantar, voltar a sentar-me e esperar por um novo monstro para tomar conta. Já perdi sem nunca a ter, já a dei sem sequer a possuir, já a garanti sem sequer ter estado dele. E se a predefini foi porque um dia não consegui revelar força para seguir em frente e ser eu próprio. E, se sou eu próprio, que venha então outro monstro para mais uma vez manchar as mãos de sangue voltar a sentar-me, desta vez esperando nada, desta vez ser nada senão o silêncio que tanto espero e que tão devoto dele sou. Devoção cega, talvez ambição cega de me enganar outra vez, de ir contra outro muro, para ser mais um, para escalar o monte que toda a gente escalou para congelar no topo ou cair outra vez no chão. Tantas palavras e no final não consigo descrever o que quero ou o que sinto. Sinto ou escondo, na realidade. Quero uma parede de nuvens azuis do céu um chão verde da relva onde eu me possa sentar e relaxar.
Neste dia há um milhão de gotas que caem em cima de mim, que me limpam da sujidade que vou voltar a ganhar mal saia debaixo desta queda da água. Neste dia há um milhão de seres que se espalham por aí e fazem o mesmo que eu, parasitas, monstros, sombras, silêncios, Universos, mundos, realidades, destruição no seu conjunto imperfeito. E estes micro-organismos, que são para mim? Que fazem dentro de mim, porque se entranham dentro dos meus pensamentos e pesadelos, porque criam estas insónias, serei eu não outro ser que não um animal nocturno, deficiente à imagem humana, imperfeito à tal predefinição da sociedade humana, um exemplo daquilo que não se quer que as crianças sejam? Mas à superfície somos todos estranhos para os outros, no escuro não reconhecemos as faces ou as feições, será que aí ainda sentimos, odiamos e criamos predefinições? E então que importa a pele, os lábios, os seios, todas as líricas eróticas, todos os beijos? Importamos nós, o nosso pensamento retrogrado ou fechado, a nossa mente fechada e o nosso egoísmo, as nossas exclusividades para com a dor dos outros que nos rodeiam. Queremos os dias a passarem com única e exclusivamente aquele canto da nossa mente representado em carne ao nosso lado, sempre ao nosso lado. Apresentamos loucura e somo-la porque assim nos criaram ou assim acabámos por a conhecer e lhe apertar a mão com um sorriso. No fundo somos crianças na inocência da ignorância de como o Universo maior que o nosso mundo conjunto funciona.
Liberta o génio, destrói as mentes, sê diferente, consume o pouco que te resta, é uma vida tua e um direito a não reclamares. Toda a vida uma prisão, constantemente a demência ataca os fracos e a idade não perdoa esta fluorescente mente que ultrapassa o imaginário e o transparente. Supera as tuas dificuldades e torna-te o ser perfeito. Limita-te à tua insignificância, desiste dessa tua altitude imaginária. Difícil é definir que caminho seguir, quem ser, quem conhecer, o que algum dia esperamos ser. Aí não vão ser prados verdes, não vão ser arco-íris e uma vida que nos sonharam antes de sequer nos terem permitido pensar. Já nos disseram palavras, já nos caracterizam antes de abrirmos os olhos. Quem lhes deu permissão, quem permitiu que nos tocassem, que nos mostrassem o mundo, que nos falassem e contassem? Não somos mais donos de nós próprios, não somos uma revolução em crescimento, uma manifestação que abandona protestos durante a noite e se levanta outra vez durante o dia? Afinal parece que somos pedaços de cartões, corações partidos e mentes limitadas ao que os outros predefinem para nós. Já não somos donos de nós próprios. A dor já não é nossa, é de todos os outros. E para isso digo, que se foda a dor, é psicológica, que se lixe o futuro, é nosso para mudar, que sejamos nós próprios na menos mentira que consigamos encontrar.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Sóbria voz que ecoa pelas escadas da glória

Sóbria voz que ecoa pelas escadas da glória, que me chamas nesta noite cheia de essências fantásticas e palavras deixadas para concretizar o vazio. Aqui a tua palavra vale mais do que os meus sentimentos, as minhas visões são obsessões que me preenchem os olhos e que constroem a tristeza. Que vitória tenho eu sobre os meus demónios se nem sozinho consigo dormir sem ser na posição do meu nascimento? E o ciclo recomeça, esta tristeza abate-se sobre mim outra vez, enquanto desejo o teu leito para descansar. E as palavras são escritas, ainda esta voz sóbria ecoa na minha cabeça, relembrando o meu orgulho pela glória de outrora.

"Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso."
Alberto Caeiro - "I - Eu Nunca Guardei Rebanhos" - "Guardador de Rebanhos"

Teme-me. Teme-me pela minha loucura, pelo meu vazio, pelo frio que sou e que te faço mostrar. Teme-me pela minha loucura, afasta-te pela minha carência habitual. Encontra o medo de te magoares e afasta-te de mim. Empurra-me para longe, não te quero magoar. Não desejo retirar-te a inocência que te faz tão linda, nem a tua criança que tanto me faz querer abraçar-te. Já me repudiaste, já expulsei de mim a minha incapacidade de sentir. Faço de mim um boneco a avançar contra mais uma parede, com um sorriso cozido à estupidez da falta de pensamento e uns olhos muito abertos à cegueira que me condena à eterna dor nos momentos de felicidade. Mas no escuro somos iguais, eu - uma pequena criança com medo de existir e sentir - e tu - um amor que confesso não existir uma vez mais.

"Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho. "
Alberto Caeiro - "I - Eu Nunca Guardei Rebanhos" - "Guardador de Rebanhos"

É o meu desconhecimento que trata do meu contentamento de estar aqui. Vivo para aprender e luto para chegar a uma loucura mais profunda, um novo nível de degredo, estragando este solo feito pelos que já percorreram esta gruta, contaminando-o com novas palavras que se pensam ser pensadas mas na realidade são despejadas como fardos nas costas. Aqui os relâmpagos são mais fortes, aqui as trovoadas somos nós. Aqui caio ao chão à vontade e levanto-me outra vez sozinho, por vontade própria, por saber que há uma escuridão maior onde os meus amigos me esperam. Percorro estas grutas, afasto-me de ti, exprimo a minha raiva pelo silêncio e destruo almas com as minhas asas libertas. E os meus demónios olham-me com os seus olhos brilhantes, temem-me pela loucura que procuro e escondem-se por não poderem amar-me e odiar-me ao mesmo tempo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiro - "II - O Meu Olhar" - "Guardador de Rebanhos"