sábado, 19 de março de 2011

Areal

Tragam de volta o Verão e tudo o que ele tem para nos oferecer. O calor, o conforto, as areias, as ondas. Algures nesta terra, os meus olhos percorrem as dunas, esquecidas e mal-tratadas agora, ansiadas por milhões em tempos mais propícios, onde o Sol domina e conquista almas livres que vagueiam sem objectivo, sem significado. Prontos para caminhar até onde o grande rei desconhecido ousa reinar, ditar sem contestação, ordenar morte ou vida. Pode ser um tirano a nossos olhos mas será justo vê-lo com olhos de quem vê mas não sente? Não somos dignos de sermos chamados animais, tal como não somos dignos de visionar tal beleza, uma noite de Verão na praia, o horizonte adormecido e as ondas a adornar o reflexo do luar.
Algo completo se esconde por detrás do vasto oceano, algo de perfeito que entretanto deixou de ter lugar entre nós. Talvez a noite nos pudesse dar a conhecer a tal existência mas não o faz. E talvez o dia nos pudesse apresentar o brilhantismo da sua silhueta mas não apresenta. Então continuamos superiores no exterior pelo areal, diminuídos e entristecidos no interior, pelas ondas infinitas onde o mar é horizonte e o céu é a única alternativa. Algas chegam à costa e desistem de beber o mar salgado, apresentado-se a nós como reis do mar, um ser que um dia ousou dançar com as ondas e aproximar-se da costa. Visionando o mar a controlar a brisa e deixando o tempo passar, a noite fica gélida e o humano não encontra corpo a que se encostar. Então vira costas a todas as ondas e as histórias que estas contêm e volta a casa, assegurado que amanhã ainda haverá ali um oceano, simplesmente duvidando se ele voltará ao areal.
Sendo injusto, o tempo preenche a vida do humano e afasta-o do mar. Apercebendo-se disto o mar dita o nascimento e crescimento de um novo humano, nascido de ti e de mim. Completo pelas viagens que ambos fizemos, pelo caminho que se cruzou e pela relação com a praia que o aperfeiçoou, descobre grutas e resiste às lutas contra o tempo, sendo exemplo de que um rei deve ser primeiro rei da sua mente antes de ser rei de outrem. E lembrando-se de finais palavras minhas constrói um novo castelo na areia, "podes controlar-te a ti mas não controlas a tempestade que cresce dentro de ti" escrita rodeando e protegendo o castelo. Uma última homenagem a uma relação com o mar que deixou mágoa para trás, fantasmas que caminham pela beira-mar de mãos dadas, habitando o castelo de areia que se recusa a desmoronar.

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