quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pecado

A noite ia alta e a Lua tardia. A sua luz incidia sobre olhos incandescentes perante o amor perdido e achado, distante e tão perto do coração. Bastava um toque, um olhar, o mais leve suspiro. As ruas molhadas da chuva reflectiam a sua pressa em chegar à sua casa, de encontrar o seu corpo deitado na cama, esperando-o, ansiando-o, desejando-o, mais que a cera das velas a queimarem o seu corpo, mais que o doce e subtil toque dos seus lençóis de seda, mais que a queda da noite e o nascer da Lua, anunciando o retorno dele.
Ele já quase corria, era frenético o seu passo, perante tal obsessão quem o poderia censurar? As ruas pareciam demasiado grandes, a escuridão crescia a passos temerosos, a distância parecia aumentar. Já a realidade se trocava com a fantasia, a sua mente já não permanecia onde o seu corpo andava. O seu espírito já divagava perante a promessa feita na manhã, o desejo já não era carnívoro, aquela tentação já não podia pecado, aquele desejo era mais que carnal. Queria senti-la, queria que ela o sentisse, saciá-la, servi-la, ser tanto dela quanto ela era sua. O vento fazia voar a sua capa, assobiava tão violentamente que até o assustava. Àquelas horas na rua, com tal pressa, com tal fome, só podia ser pecado, pensariam as senhoras e senhores que o vissem na rua. Recolheu então a capa e afogou os seus pensamentos no lento e doloroso dia que teve e no mesmo que terá no dia seguinte. Tinha de haver algo a distraí-lo, os gatos assustados não serviam. Como estaria ela?
Ela... ela mordia os lábios, olhava para as horas, agarrava-se firme à cama para não cair. Olhava para a janela, via a Lua no céu, tão grande e branca, cercada por estrelas. Pensaria se alguma vez poderia ser como ela, se poderia ser ela, refugiar-se na sua frieza. Mas não o desejava mesmo. Queria apenas aqueles momentos, que lhe pareciam demasiado breves, em que ele entrava de rompante por aquela porta e a tomava nos braços, largando-a apenas na manhã seguinte quando tinha de abandonar o quarto para que a sua irmã não os descobri-se. Sabia quanto se podia afogar naqueles momentos mas sabia, acima de tudo, como tinha de ficar consciente para que aquilo se prolonga-se. Não podia ser pecado, como poderia algo tão doce e tão bom, algo que fazia sentir tão bem, que a permitia dormir descansada, ser pecado.
Corria a noite tão devagar, atrás do seu ritmo. Finalmente chegado às paredes em que se desejava confinar sobe as escadas, lentamente. O barulho tem de ser mínimo, se não nulo. A luz das velas chama-o, indica-lhe o caminho. Lá vê a silhueta, já desesperada, do seu encanto, da sua vida, da sua tragédia. Qualquer dia haveria de fugir, não aguentaria mais aquela tortura, mas para já isto era tudo aquilo que precisava. Entra no quarto e fecha a porta, não consegue esconder o sorriso que lhe corre a face e lhe aperta o coração. Escorre-lhe alegria quando vê o sorriso devolvido. Percorre-lhe as mãos pelo tronco e ancas enquanto sente os seus braços à volta do seu pescoço, sente os seus lábios no seus e ouve a sua respiração ofegante. Pega-a então como ela tanto o desejava, leva-a para os seus lençóis de seda e aí lhe reviva o espírito. As velas são acessórios, a Lua um espectador e os lençóis um complemento a tudo o que desejavam. Sente-se dentro dela, como que uma parte dela, vagueia-lhe a alma e descobre-se lá, quente, febril, desejado e bem, Enrolam as mãos e contorcem-se os corpos, fundem-se as almas. Mais uma noite que desejavam que fosse para sempre. O suor já lhes corria pelo corpo mas a energia continuava a mesma. A mesma vontade, o mesmo desejo, o mesmo amor. Poderia aquilo morrer? O tempo diria. Para já ficavam-se pela luz das velas, a cera que delas escorria e as sementes da virtude que se espalhavam pelo leito do amor. A febre aumenta enquanto a noite decorria...

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