domingo, 27 de abril de 2008

Lord of Chaos

Todas as palavras ecoam na cabeça, como sinos a tocarem à distância, como buzinas a anunciarem o meio-dia de outra vulgaridade que começou, reduzida à normalidade da minha vida. A luz não penetra no meu quarto porque assim o desejo. Adoro a escuridão tal como ela me resguarda nos momentos mais privados de toda a minha satisfação por saber que sou eu que estou aqui e não outro qualquer que já cá habitou. Os olhos mal se adaptam à escuridão e começo a ver o meu domínio, o meu reino, a brilhar através de inúmeras guerras e falhas humanas. Sento-me na cama, sentindo que há um mau presságio no ar, um dia que há-de vir abalar o meu Universo, talvez por uma última vez, talvez por mais uma nas inúmeras vezes que hão de vir. A morte não trouxe a companhia desejada então não me mantive lá, mas sei que também foi ela que me trouxe uma vez mais, foi ela que me tirou daquela prisão que também não me esconderia muito mais tempo. O poder em mim cresce todos os dias e os dias de distancia até ter as serpentes nos braços diminuem, desaparecem a uma velocidade estonteante, uma velocidade que me é agradável. Mas sei que mesmo antes de isso tenho de passar um dia de melancolia e álcool, antes disso tenho de passar um verão quente com consciência de que estarás perto e de que eu estarei contigo todos os dias, sem te poder beijar, apenas abraçar, possuir-te com a mais força do que eu tenho. Todos estes pensamentos ocorrem-me numa fracção de momento em que não me atrevo a abrir a boca para que não saia de lá dez palavras misturadas numa, para que não diga o disparate que me farto de repetir na minha mente. Todos estes pensamentos voltam a mim na noite tardia, quando as estrelas já iluminam o caminho aos viajantes perdidos na nossa floresta de rosas negras, preenchidas com picos de veneno de escorpião, veneno mortal. Todos estes pensamentos voltam a mim quando a nossa música começa a tocar na rádio ou no computador, quando sinto que no interior a minha alma mexe-se em direcção ao nada para que possa isolar-se num misto de dor e alegria, pois as recordações são poucas mas boas.
Levanto-me e vejo que o Sol brilha, abrasador como as tardes de Verão da minha infância. Observo a luz a entrar na casa como um presságio do Verão que há de vir, muito mais quente que esta primavera morta, muito mais melancólica e preenchida com música e álcool do que agora. Movimento-me mas estou parado, exactamente no mesmo sítio que agora estou mas há um ano atrás, quando proferiste aquelas palavras e trouxeste a minha alma, o meu ser, de volta a este corpo, a esta carcaça velha e demasiado usada, inconsciente e imatura, uma prisão de carne e pele para que possa trazer alegria a outros, para que possa ser aquilo que outrora pensei que poderia ser, antes de te conhecer, minha maldição, deusa da imperfeicção que sou, tu que me cegas com esses olhos azuis que morreram depois de te teres despedido de mim. E nunca te vi chorar, tu que te consideras uma pessoa muito emocional. Não sei se me teria ajudado a sorrir ou a avançar, mas sei que prazer me daria porque adoro ver pessoas a sofrer, mas também me traria dor porque és mais do que uma pessoa para mim, és uma alma que esteve ligada à minha, noutro lugar qualquer que a minha mente desconhece, mas que agora partiu, apesar dos ocasionais telefonemas, com palavras de alegria que rapidamente se transformam em desespero. Afasto os pensamentos de ti como se fossem uma doença que me corrompe o corpo. Limpo o meu ser à vergonha da humanidade num sacudir rápido, aceito o vento como que uma distracção à humidade que se alastra no ar enquanto que a madrugada desce sobre mim. Devoto-me então à Deusa que tanto detestas, àquela que não aceitas como um todo, num misto de confusão, uma divisão. Procuro também conforto na existência que rejeito de Satanás, apenas porque sei que o temes. Percebes então que te quero afastar até seres uma pessoa comum, apenas mais uma que fala comigo e eu não me poderia importar menos se deixasses de falar comigo de repente. Mas não o és, pelo menos por enquanto. Entretanto estarei cá eu, agarrado à cerveja e amante da Deusa, reservado apenas para ela, para criar uma nova humanidade da qual já te falei, da qual não voltarás a existir e eu poderei viver a minha vida de raiva e ódio perante as pessoas, dominando-as todas. Senhor do Caos, denomino-me eu por ter sido o teu amante, borboleta do caos, borboleta que fugiste para longe de mim.


Falta pouco para passar um ano e ainda me sinto perdido em ti...

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