segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Guerra (Paredes Vazias)

As paredes vazias ruem à medida que o tempo passa, estes pilares já não sustentam a degradação do coração humano. Tal como a neve cai também estas pedras cobrem o chão das ruas onde outrora pessoas enchiam o ar de conversa e vida. Tal devastação, tal devoção a uma guerra sem propósito. Talvez me escape o propósito, tão simplesmente como isso, sou só mais um no meio da confusão. Mas não consigo encontrar razão para querer ver tudo destruído. Não sou voz do mundo, sou o pensamento na cabeça de um miúdo que abre os olhos pela primeira vez e vê o mundo como é. E desilusão! Há tanta vida neste corpo que se move com arma na mão como aquele que jaze no chão com balas no coração.
Um dia todos nós vimos o que viemos mais tarde a saber ser um sofisma para nos convencer a mente. Um dia todos nos levantámos dos sofás e aceitámos a fortuna que o fado nos tinha destinado. Há verdades no mundo que nem os mais ignorantes e os mais desligados conseguem ignorar ou recusar. São pensamentos tão violentos, lógicas que tocam tão no profundo da consciência como aqueles que nos garantem que os pássaros que teimam em rasgar o céu estão na verdade a voar. É tudo o que se encontra agora à nossa volta, paredes vazias, prédios que ruem, memórias que se desmoronam. Ruas vazias onde nos sábados de manhã se podia ouvir crianças felizes a gritar nas suas brincadeiras inocentes. Mas a guerra não é nenhuma brincadeira de crianças, é morte e tristeza, é desnecessária.
Podemos parar e olhar à volta, podemos-nos aperceber de que somos frutos podres de gerações mais antigas que continuamente nos condenam à miséria. Podemos dar-nos ao luxo de olharmos para o céu e chorarmos a morte do seu azul. Podemos, finalmente, conceder-nos a liberdade de estender os braços e aceitar as balas que nos perfuram e aleijam a carne mas não matam mais a alma do que o homem que nós matámos para aqui chegarmos. Podemos fechar os olhos e adormecer, esta dor é indolor e este mundo é incolor, partimos para o silêncio, a nossa história, as nossas memórias ruem juntamente com estas paredes vazias, as nossas vozes que tanto gostavam de gritar "Liberdade" nas ruas da nossa infâncias agora desvanecem juntamente com os gritos já desaparecidos de inocentes que um dia aqui viveram, repousaram e finalmente morreram.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Enerei

Enerei, deixa-me confessar-te as minhas fraquezas, os meus desapontamentos. Silencia-te um momento, deixa-me dizer-te tudo o que não digo a ninguém. Deixa os minutos correr no teu relógio, a chuva lá fora não vai a lado algum. Sim, tenho consciência de que ainda faz calor. Sim, tenho noção de que os relâmpagos só tornam o meu discurso sombrio. Mas és tu quem não tem noção de que a tua luz brilha mais do qualquer artificialidade neste mundo. Silencia-te, deixa-me percorrer as sombras com as minhas palavras.
Mesmo aqui, no silêncio e na escuridão destas quatro paredes, mostra-me o rumo. Desenha nas paredes, ilustra as florestas da tua imaginação, deixa-me caminhar pelo trilho da tua mente até à nascente dos teus pensamentos. Aí deixa o vento soprar e agarrar-me ao topo da árvore mais alta, lá ficar vendo as estrelas, pendurado como uma bandeira. E quando me parecer que já tudo vi de ti e nada novo me podes apresentar, atira-me uma corda e puxa-me até à Lua onde resides, observando-me, esperando-me. Deixa-me deitar-me numa cratera ao teu lado e ver-te dormir, afagar-te o cabelo, afogar-me em ti.
Aqui espero eu mais dos mortos e magoados, aqui espero eu mais de ti. Segues e nada vês no caminho. Tens os olhos abertos mas a mente desligada. E eu continuo a agarrar-me à esperança de que um dia me vejas. Talvez numa rua, talvez numa praia, com sorte num sonho. Mas revelam-se fúteis, as minhas aspirações, as minhas palavras. Revelam-se fúteis como a noite que se aproxima sempre depois do dia para me assombrar com a minha própria sobriedade e insónia. E largo tudo por um sorriso teu, Enerei, dentro deste quarto assombrado por perguntas sem respostas e ventos que não se deixam soprar.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Tu que voas para longe


(Actias Luna - Luna Moth)

É difícil encontrar as palavras certas para descrever uma pessoa.
É ainda mais difícil descrever um sentimento.
Mas cada sentimento escrito é um sentimento não sentido.
Cada sentimento que sinto é um batimento que me escapa ao controlo.
E esse é mudo, tal como eu sou surdo...
Surdo e cego a toda a dor à minha volta.

Falta-me compaixão, dizem-me.
Falta-me paixão, sentir o coração arder
E esperar viver para ver a chama sobreviver.
Mas das achas ergue-se uma vontade.
Essa vontade dita-me a verdade,
Diz-me sermos todos apaixonados,
Não apenas eu mas todos estamos condicionados
Pela nossa mente e racionalidade
Que nos impede de seguir a nossa vontade.

Mas é desusado este coração
Que deixou um anúncio de aluguer ou trespasso
Nas ruas do aclamado acaso.
É terra fértil para mãos que não desejam trabalhar,
É castelo no topo da colina com arqueiros prontos a disparar,
É meu e não teu, tu que voas para longe, para além de rios e terras sem Verão.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ela sonha

Ela sonha com castelos e palácios, uma rua só dela à beira de uma praia onde o seu povo se banha de sol, mar e alegria. Ela olha-os pela janela do seu quarto e sente-se feliz mas perde o sorriso quando é obrigada a voltar para a sombra, a porta de volta à realidade. Voltar para este sítio cinzento, onde todas as cores escoaram pelos esgotos até um mar desconhecido onde ninguém ousa nadar. Ela volta e perde-se no desespero, mergulha no conforto na sua cama, olha para o tecto e volta à janela do seu castelo, agora uma porta. Abre-a e segue para uma pequena varanda onde sente uma leve brisa de Verão e volta a sorrir.

Sabes

Sabes quando estás extremamente consciente de todos os teus movimentos? A tua respiração, a tua pulsação, o teu silêncio - ainda que queiras estar a falar com alguém nesse preciso momento? Sabes? Então sabes o quão doloroso é. Sabes o tormento do nervosismo, gaguejar quando deves falar, a confiança que te atribuem à primeira vista mas que desaparece num segundo. Fala, porra, fala! Não é assim tão difícil! Há um milhão de coisas nesta sala, já para não falar neste mundo, há um milhão de tópicos para começar uma conversa. Fala, não deixes a esperança na escuridão do silêncio.
Um deserto - é assim que categorizo o seu silêncio. Não há culpabilização a atribuir ao seu lado. Disse-lhe olá sem deixar sair as letras, fiquei-me pela sua beleza e não me lembrei de falar, desaprendi as palavras. E agora silêncio - ou deserto. Incompleto. Incompleto porque ainda oiço o meu coração a palpitar, a minha mente a gritar as palavras que não consigo expulsar, o desespero. Pergunto-me, será que ela está a olhar para mim? E se está, o que pensa? O que importa, não tenho coragem para lhe falar. Se ao menos tivesse ela a vontade de o fazer. Seria um oásis no meio deste deserto.
Sabes quando estás onde deverias estar, onde sentes que o destino te colocou, onde tens uma oportunidade para ser feliz e a deixas escapar? Sabes a culpa que se segue? Talvez não saibas. Talvez nunca precises de saber. Porque a tua face é tão angélica e humana ao mesmo tempo que me leva pensar - sou o único que pensa assim? Vejo-te nos corredores a caminhar sozinha, nos teus pensamentos sozinha, na minha alma - sozinha. Mas tens este efeito nas pessoas - ou apenas em mim - fazes com que reparemos em ti. Não passas despercebida até quando desejas ser uma sombra, um pormenor numa pintura, uma vírgula numa enorme folha branca à espera de ser preenchida por pensamentos ou palavras sem sentido. Não sabes. Simplesmente não sabes. Não sabes o que em mim és sem sequer seres.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Muda o sentido da viagem

Ela disse-me que um dia ia ganhar juízo e passar a olhar para rapazes como eu. Na altura desejei que ela olhasse apenas para mim. Inicialmente poderia ser apenas um relance. Mas ao fim de algum tempo eu queria tudo. Hoje ainda espero que ela ganhe juízo. Através de todas as horas, de toda a chuva que observo a cair lá fora, uma espera infinita e, até certo ponto, sem razão. É uma viagem sem finalidade. Chego a essa conclusão com pesar, sinto-me destroçado por ver um sentimento atirado assim ao acaso como se lixo se tratasse.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Senhores da escuridão

Quem poderia adivinhar o que este temporal iria levar? Quem nos diz o que a trovoa grita e os ventos ecoam? Seres misteriosos, senhores da escuridão, adivinhos do tempo que nos insistem e empurram para a vida, abrem-nos os olhos e a devido tempo os voltam a fechar. E é assim que os gigantes caem, ignóbeis, ignorantes, deixam-se ir e os tempos não os lembram nem celebram. Com olhos fechados, memórias meras fachadas de momentos não vividos, não merecidos. São levados pelos seres da mesma forma que eles os trouxeram para este mundo para desempenharem os seus papéis, ensinarem uma lição a uns, fechar ainda mais outros, matar, roubar, injustiçar, ó desgraça que teimas em meter-te no meu caminho! No meu caminho e no de tantos outros. Agora silêncio, calmamente me vou deixar cair em novas reflexões.
Reflectir... não posso dizer que seja bem isso. É mais revoltar-me. Contra tudo e todos, contra estes fantasmas que teimam em adorar a noite e a Lua, sem chorar mas sem sorrir, pálidas faces nas sombras que invento, que torno reais e sólidas para puder esmurrar e não mais temer. Tremo do frio ou do calafrio, já não sei, há espíritos que por aí vagueiam e me ouvem os pensamentos, tentam comunicar mas não são meus sonhos, não têm forma, o que sofrem é uma repetição do que já tantos sofreram e eles mesmo sofreram na sua vida. Mas vagueiam, por aí e por aqui, sejam eles temporários ou permanentes, sempre indesejados, sempre empobrecidos, vidas preenchidas de memórias e experiências que em tanto poderiam ajudar e privilegiar alguém mas são demasiado temidos, desentendidos, odiados para se fazerem ouvir. Mas penso... não bem, espero, é isso! espero! que sejam conhecidos e amigos dos tais senhores das escuridão e que um dia nessa escuridão encontrem descanso.
Não prego olho com toda esta dança e alegria muda à minha volta, sei que não os vejo mas sinto, o vento roça-me a pele várias vezes, não me engana o coração. Não devo olhar para demasiado longe porque tudo o que veria seria igual ao que vejo aqui ao perto, escuridão, total, soberana, misteriosa. Sei que não me devo perguntar muito mais sobre a existência das coisas e a sua vontade em existir, tenho apenas que dormir e sonhar, dormir e fugir daqui, desta realidade. Realidade essa que é algo que me escapa ao controlo e à lógica, já não digo conhecimento pois ele em mim é escasso. Mas por momentos vejo um relance de tudo o que me escapa, rostos no vidro a olharem divertidos para o quarto como se fosse uma jaula e eu o animal lá preso. E uma cara passada que ainda me assombra o presença faz-se destacar na multidão. Uma presença que desejo agora que seja mais esporádica nas suas aparências nos meus sonhos. Uma única face que não sorri, uma única face que, como eu, desconhece os senhores da escuridão.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Se eu soubesse

Se eu soubesse quão dura consegues ser às vezes, quão mais fria que a chuva que cai nesta noite, ter-me-ia deitado silencioso na escuridão muito antes. Se eu soubesse, se tivesse todas as informações do mundo, se este silêncio não fosse tão desprovido de conhecimento como eu, ter-me-ia fechado tão mais cedo. Podias ter-me avisado, olhos nos olhos, directamente para a alma. Mas até eu duvido que fosse ouvido o teu aviso. Apenas uma parede me pode parar, um desastroso acidente que liberta a alma para poder vaguear por outras paragens.
As palavras - a falta delas - motivam para que se siga em frente. Mesmo quando à nossa frente se encontra uma longa viagem cheia de chuva e turbulência e que o destino seja um quarto frio de quatros paredes brancas que ocupam o infinito e que deixam de existir no escuro para prender, deixar a alma claustrofóbica. Um quarto onde podemos gritar livremente e ninguém nos ouvir, deixar o tempo passar, os trovões, as chuvas, os ventos e ninguém nos perturbar. É um quarto que classifico como seguro, longe de ti.
Se eu soubesse todos os mitos, todas as histórias, todas as mentiras e verdades, seria perfeição. Seria refúgio de ti, seria prevenido para todo o tempo gasto contigo. Se eu soubesse, não me farto de repetir, hoje não estaria aqui assim. Estaria ainda aqui, provavelmente, talvez com um copo de whisky na mão mas um sorriso na cara. Estaria aqui a escrever contos de finais felizes e não tristezas que perduram na alma. Se eu soubesse não serias mais uma desilusão, mais uma para adicionar ao repertório vasto que se tem alargado recentemente. Em grandes quantidades ao tempo e à noite pergunto, se eu soubesse, que faria? Valia a pena, todas as interacções são parte do nosso crescimento... certo?

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Nesta madrugada

Vem a minha casa Afrodite, deita-te na minha cama, fecha os olhos, deixa-te ir. Permite-me passar os dedos pelo teu corpo, delirar pela tua delicadeza e controlar-me baseando-me apenas na tua voz. Sim, segue o dia lá fora e nós cá dentro somos impacientes para crescer. Sim, somos um paradoxo da nossa existência mas isso não significa que não tenhamos um caminho certo, lembra-te que o fado canta para todos nós. E olha para o silêncio, acompanha-nos sempre, está aqui e ali, dentro e fora de nós, ele é tudo o que preciso para te entender, apenas ver-te os olhos, apenas admirar-te o sorriso, apenas tudo o que és para perceber o que me deste, sim, tudo isto o silêncio é, tudo isto o silêncio me mostra.
A iluminação é escassa, é isso que precisamos. As sombras mexem-se, dançam, cantam, festejam, no final de contas a nossa união é mais um ritual desenhado pelo Universo, até as paredes concordam. E se estas tivessem vozes cantavam dias e noites o que nós falamos, o que nós gritamos, o que gememos. Mas é proibido. É tabu, vergonha, deixamos-nos controlar por uma falsa moralidade da sociedade e escapamos-nos ao seu julgamento com sorrisos tímidos, cabisbaixos, olhares cruzados e dedos a tocarem-se ao de leve para termos certeza de que há apoio e felicidade do outro lado. É mútuo. Mas tão inverso, és tão diferente de mim. És uma Deusa tão ignóbil, milhares de anos que passaram, tantas histórias que contaram mas tão frágil te apresentas perante mim, tão humana. Porque me dedicas a tua imortalidade? É uma imoralidade, respondia-te se me perguntasses. Mas não perguntas, é o nosso velho amigo silêncio que domina a conversa.
Nesta madrugada levanto-me da tua cama e caminho para a tua varanda. É o orvalho habitual que me cumprimenta e embala os pensamentos, alia-se ao horizonte onde o Sol nasce e o mar eterno que já não esconde mais o calor e luz do Sol se apresenta. É um simples pensamento etéreo que me passa pela mente, inspirado em ti, construído para ti, apenas dito para ti. "Nesta madrugada..." e fico a pensar em todas as variantes que podiam seguir para completar esta mensagem. Abandono-te, deixo-te, desiludo-te. Não! Rejeito mais um final infeliz, mais uma derrota sem batalha. Amo-te. Nesta madrugada amo-te e não te deixo mais. Minha Deusa e minha musa, nesta madrugada rogo-te, fica comigo aqui durante o resto da minha mortalidade e percorreremos o mundo depois da minha morte e durante a tua imortalidade antes de te deixar no Olimpo, onde pertences, e seguir a minha viagem pelos sete círculos do Inferno que Dante me contou em sonhos.