terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Aranhas

Hoje as aranhas recolhem aos seus esconderijos mais cedo, fogem com medo da alvorada que está para chegar. A Mãe-Lua avisou-as da chegada do seu pior inimigo, a hesitação. As suas teias são deixadas desertas ou com presas que esperam que a morte chegue. O desespero abate-se sobre esta noite e também eu deixo o sono ser corrompido por imagens de destruição. Perco vida nesses sonhos, perco tempo a pensar no que poderia ser se fossem realidade. Ah, tantos ses! Hoje a hesitação chegou e as aranhas partiram todas para se esconderem do meu temor, incapazes de conter a sua calma quando deparadas com a minha raiva incontrolada.
São oito os seus olhos, são centenas os que me observam. De qualquer buraco, de qualquer canto, refugiadas, escondem-se. Sabem que penso, sabem que vivo e respiro. Sabem que eu as observo ainda que não as vendo. E observando-as continuo, contendo a minha necessidade de me manifestar, a minha urgência em beber o líquido alaranjado. Tudo por causa das suas palavras, estas que apenas existem porque uso eu palavras minhas por necessidade dela perto de mim. Mas ela hesita. Ela desliga a luz, ela deita-se na cama, fecha os olhos e sonha de sítios em que não tenha de enfrentar esta realidade. Oh! como gostava eu de lhe afastar as mágoas e curar as cicatrizes. Mas tudo o que tenho a oferecer são palavras, mesmo quando as dela me parecem espinhos que se cravam na alma. E as palavras não fazem o mundo de fantasia ser o mundo real. Na noite elas desvanecem e também a força e esperança que me movem. À luz as aranhas permanecem silenciosas mas no escuro todas sussurram enigmas para me adormecer.
Parece-me que a minha inocência é sinal de fraqueza. E por isso parece-me que amar é uma tarefa de um humano apenas. Dedicadas foram já as minhas intenções para com outra pessoa, devolvidas como lixo, remexidas, misturadas, abandonadas ao seu pobre destino. Digo isto à escuridão para que as centenas de olhos me oiçam. Volto a ligar a luz e olho ao redor com olhos que ardem de dor não física. As aranhas movem-se lentamente pelas paredes até ao chão. Aproximam-se e esperam. Deixam-me pensar e perceber - hesitação é mesmo isto, uma táctica para evitar sofrer. Mas hesitar deixa-me outra vez sozinho contra o mundo e essa é uma batalha que já me fartei de perder. Por isso rogo à noite, deixa-a fechar os olhos com mente pesada e voltar a levantar-los de alma leve. Que se decida, é tudo o que peço. O mundo está cá sempre à minha espera. E eu cá permaneço, com as aranhas como companhia de reflexão e solidão. Mostraram-me o que é hesitação.

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