Olha os pássaros a sobrevoarem o meu abismo. Interiormente caio, à superfície do meu exterior resido. À pele o vento canta mas não o deixo ser ouvido, não se enquadra com a minha realidade. Ele apenas me traz o frio e o frio não me é bem-vindo. Até os céus azuis e dias repletos de risos e abraços são afastados como a sensação do vómito quando nos sobe à boca. São estes os meus dias e as minhas noites. São todos os pensamentos perdidos, as frases de um poeta inspirado que já morreu, horas passadas a procurar um significado para as suas palavras que existem com coerência mas sem justificação. Determino que é uma procura incessante e tempo desperdiçado, deixo a noite virar manhã e finalmente fecho os olhos.
Deita-te na relva e vislumbra o céu. Está vazio. Está assim por um simples facto: tens os olhos fechados. Deixaste envolver nas tuas definições de loucura e verdades definidas que te esqueces que a vida não é assim tão simples, é uma espada de dois gumes. Presento-te com esta verdade e tu abres relutantemente os olhos. Vês todas as cores, compreendes de onde vêm os gritos e risos das crianças, percebes onde estás. Levantas-te e perguntas-me porque estou aqui. Não tenho resposta. Posso, no entanto, dizer-te que sou um silêncio voluntário que cresce regularmente e ao qual te vais aos poucos habituando. Se não estás satisfeita posso sempre partir. Não tens que o pedir ou ordenar, tens simplesmente que olhar para o horizonte e incorporares o silêncio. Aí deixar-te-ei sozinha com os teus pensamentos e as tuas loucuras. Partirei mas isso não me deixará satisfeito. Deixar-me-à incompleto, igual ao que sou perto de ti. É assim que me conheces e é esse o pouco que te ofereço.
Vejo os pássaros a voarem tão simplesmente, tão abstraídos desta realidade que ocorre no chão. À superfície posso parecer calmo, posso ser razoável ou introvertido mas no interior estou perto de explodir, cada minuto que passa, cada toque sentido, cada palavra sem sentimento que me atinge é apenas mais um passo perto do abismo. E lá há tanta escuridão. Escuridão que nos rodeia e conquista, que torna felicidade em medo, o medo em pânico e o pânico no silêncio das nossas almas. Mas não haverá mais caminhos a tomar, mais separação ou conflito a resolver. Será a isolação dos pensamentos, a tranquilização da alma. Será a solução da nossa guerra, ambos os nossos interesses resolvidos e satisfeitos.