quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Inverno

Inverno que me gelas a alma e o corpo. Neste coração sinuoso, protegido por uma muralha intransponível, de um desejo inconcebível, de encontrar, de sentir. Parar de insistir que este intratável coração bate, com a força de um animal, que bombeia sangue para as veias e sentimentos para alma, imparável. Entorpecida besta, conta-me as tuas destemidas histórias, as tuas aventuras pelas ruas de luxúria e paixão, em noites escaldantes de perdição ao seu corpo e mente. Na negrura das ruas em que caminhavas, das quais eras o rei pois sabias os seus cantos, mentiras, segredos, mistérios e histórias que ao mundo chocavam até à morte do mais além. Enterra-me a ignorância no canto do passado e concretiza o destino que está a escapar por se cumprir em ti.
Inverno que és toda a minha perversidade e mentira, o meu crime ainda por denunciar. No teu frio que trazes com a certeza de que o és, na tua escuridão infinita que exploro nas noites e dias, no meu pensamento. Inverno que és o crime da minha alma, o amor que ousei explorar sem medo de me magoar ou algum dia me arrepender e voltar atrás. Traz então a chuva que me acalma as noites, o som que corta as minhas fantasias, que as dobra, molda-as a seu belo prazer. E em prazer caio, noite após noite, pecado após pecado, vício favorito desta solidão que me conquista a rouquidão da alma. Porque preciso de gritar, berrar algo que o mar e o vento levem até à outra margem, que nunca mais me faça esquecer de que entreguei tudo o que sou e tudo o que podia dar, sem medos mas com imaturidade e inocência.
Inverno, fazes-me perder-me em mim e divagar nas razões que a levaram a partir. Por mares explorados à superfície, por terras que ainda temo caminhar, por onde não vou dia após dia para a conquistar. Conta-me, revela toda a verdade que entregaste à Lua de mão beijada, com toda a facilidade, confiando que uma mãe cuida do seu filho desnaturado, por mais que ele fuja de quem é e se tente esconder por trás de máscaras. Ainda não vi o produto do teu trabalho, do plano que tinhas para mim. Ou era isto tudo o que me podias dar? Uns dias e umas noites em que ela me aquecia, tão suavemente como tão obrigada. Se não me podias deixar estar, de me permitir nunca mudar. Conspiras contra mim e a minha existência. Tiras-me tu a restante sanidade. E no que vai tudo dar? Em inúmeras palavras e sentimentos que o meu coração acaba sempre por rejeitar.

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