domingo, 9 de janeiro de 2011

Carta a

Caminho pelas mesmas ruas de sempre, numa rotina irónica que vira a cabeça do avesso. Pensando que sempre te encontrei aqui, que te enquadraste neste quadro de paisagem repetida, nunca cheguei a aperceber que te sentias repelida pela minha cara, pelo meu cheiro, pelo meu ser. A minha mente divaga e a tarde passa, tal como eu passo pelo café que considerei “nosso”, tal como a minha alma se prende naquela noite em que voltámos duma saída exaustiva com os teus e os meus amigos e mais todos aqueles que desconhecíamos. Parámos aqui, já só tínhamos energia para nos aguentarmos um ao outro, com os sorrisos que eu sempre desejei eternos nas nossas caras, agarrados para suportarmos o frio que fazia àquelas horas. Estávamos como que perdidos sem medo numa cidade desconhecida. Vimos ao longe as luzes deste café como que uma luz ao final do túnel e para aqui nos dirigimos para fugirmos ao frio e tentar impedir que a noite acabasse. Entrámos, sentámos-nos e falámos, horas a fio de conversa bem disposta até a luz entrar e com ela mais pessoas. Foi o anúncio de uma noite perfeita que tinha acabado. E agora lembro-me dessa noite, incapaz de entrar no mesmo café onde a mesma senhora atrás do balcão me olha com tristeza, lendo o que me vai na mente. Desvio os olhos para o chão e continuo o caminho.
Continuo este caminho cinzento, caminhando contra o vento e contra a chuva. Já há muito tempo que não sentia rajadas tão fortes de vento combinadas com a chuva. O vento arrasta consigo folhas de árvores despidas, folhas que me vão cortando a pele, enquanto que o vento uiva, parecendo que comunica comigo, dizendo-me para não avançar, que esta rua trará dores e fará cortes bem mais profundos que as folhas que voam. Caminho ainda assim, cego pelo orgulho que um dia conseguir passar por ali sem pensar em ti, a sorrir, a partilhar a alegria que uma dia senti contigo com outra pessoa.
Olho para o meu lado e encontro o banco à beira do lago onde nos sentámos numa tarde de Verão onde existia apenas a brisa, o mar e nós. Páro à frente do banco e observo as lembranças que me vêm agora à mente. Observo e absorvo a felicidade, a profundidade dos teus olhos em que eu me perdia enquanto me deitava no teu regaço. Eram azuis como uma tarde de Outono onde as nuvens preenchiam o céu e ameaçavam de chuva. Cada vez que os via podia jurar que ias chorar. E então desvia o olhar porque não suportaria as tuas lágrimas. Olhava então para os teus lábios que sugeriam descansar mil Invernos com os meus lábios colados a eles. E então sorrias e perguntavas o que eu estava a pensar e tudo o que conseguia responder era que desejava que mil Invernos viessem para que eu os pudesse passar contigo. Lembro-me então de corares e de me empurrares o corpo para o chão da vergonha que sentias. Abraçava-te então e prometia que enquanto vivêssemos, quantos Invernos e Verões pudessem vir, eu ir-te-ia sempre embaraçar da mesma forma. Sorrio ligeiramente e mais uma vez desvio o olhar e caminho.
Dou de caras com o beco onde te conheci. As tuas primeiras lágrimas que eu vi e que me abalaram, que me moveram para fazer algo que nunca me achei capaz fazer. Vi-te a ser assaltada e saltei contra os assaltantes antes que pudessem tentar algo mais. Empurrei um contra parede enquanto me lancei de punho e olhos fechados contra o outro. Senti uma força enorme a agarrar-me nos braços vinda de trás. Consegui apenas gritar para fugires antes de começar a ser agredido vezes sem conta pelo segundo assaltante. Ficaste imóvel de medo e espanto, nem uma palavra conseguiste dizer até teres visto sangue a saltar da minha boca e teres gritado por socorro. Para nossa sorte lá estavam por perto dois policias que viram o que estavam a acontecer e conseguiriam afugentar os assaltantes. Cai no chão e vi os teus olhos em lágrimas e apenas te consegui sorrir antes de desmaiar. Quando acordei estavas a meu lado na cama do hospital. Estavas a dormir. Entrou uma enfermeira que me disse que não tinhas largado a minha mão desde que tínhamos chegado ao hospital e que me tinhas chamado teu herói. Sorri e adormeci também.
Agora me encontro, sem mais nenhum lado a ir e sem mais nenhuma lembrança que queira recordar. Voltarei então para trás. Passo pelo largo e páro mais uma vez à frente do café. A minha mente começa a escorregar para a tua memória mas afasto-te da minha mente e sorrio. Encho o peito de coragem, fecho o punho e os olhos como a noite em que te conheci e entro no café. Peço, pago e pego no meu café e vou para a mesma mesa onde nos sentámos. Olho para a rua, vejo o vento selvagem e a chuva ainda mais intensa. E das sombras por onde caminhei entra uma sombra. Tu. Olhas para mim, sentaste onde te sentaste antes, de frente para mim, com um sorriso na cara e dizes:
- Olá! – e sorris…

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