terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Cidade

Não me podes manter aqui. Porque eu não sei como vai ser o amanhã. Às vezes necessito de fugir, de escapar a esta realidade que sufoca. Por vezes até eu preciso de mudança de ares. Porque não consigo estar parado no mesmo sítio eternamente, à espera de algo que pode nem vir. E tu sabes que é provável que não venha. Sinto isso especialmente nos ossos quando as noites são geladas e tu não me diriges uma palavra. Não sei, a noite não perdoa a indecisão, só te empurra para a frente. Lembra-te que amanhã será um novo dia ao qual chamarás hoje e a história que escreves hoje será lida por outros como o ontem. As nossas vidas não são iguais, nem os nossos pensamentos, nem as nossas almas. Não estamos sincronizados nem sei se o queremos estar. Não importa de qualquer forma, o tempo é errado. Ultimamente o tempo parece sempre ser errado. E talvez o tenha sido sempre, eu é que posso não ter notado, tão concentrado em mim próprio, tão refugiado no que sou. E por isso é que fujo muitas vezes. Não é um problema, é simplesmente um facto da vida com o qual aprendi a lidar. Gostava que o aceitasses, que o tomasses como parte de mim e que me acenasses com um sorriso na cara e uma lágrima no canto do olho quando me vires a avançar, seja em direcção a uma escuridão mais intensa ou a uma luz profunda.
Descobre aquelas partes de mim que não me atrevo a revelar. Enfrenta o monstro interior que me tem preso a mim próprio. Derrota-o. Mas não o mates. Não o mates porque estarias a matar-me ao mesmo tempo. E aí tudo o que conhecerias de mim já não existiria, já seria um cd riscado do ontem. E não me tentes ler como um livro ou compreender todas as palavras que digo. Parte da solução para o problema é não saber que o problema vem mas conseguir lidar com ele à mesma. Vem até mim, luta por mim como eu tentei mudar por ti. Não será uma luta muito complicada porque eu nem tentei assim tanto. Até o facto de ter tentado mudar me está a incomodar neste momento. Não é justo de todo, eu sei. Mas vivemos em andares diferentes. Nem sei se somos do mesmo prédio, o meu elevador só desce, recusa-se a descer. É o contrário do meu ego, só sobe, não sabe descer. Sei que independentemente de vivermos na mesma cidade, a minha vista é diferente da minha. Tu vês o rio à distância que te convida gentilmente para um passeio no Verão. Eu vejo a mesma enfadonha rua, com as mesmas pessoas a fazerem a mesma rotina, zombies servos do seu próprio destino. E o céu é cinzento para mim. Até o próprio cheiro da cidade está tão entranhado na minha pele que já nem sei o que é exactamente. Talvez um dia me possas dizer qual o cheiro do mar. Mas não vou esperar por isso aqui. Amanhã mudarei de cidade, se quiseres saber, estará um novo vizinho a olhar para ti em breve. E talvez aí me tentes dirigir a palavra. Mas as noites de Verão são quentes e eu estarei a vaguear por aí à procura de uma nova cidade para admirar. Então o vento não passará de uma leve brisa que nem um suspiro consegue carregar, as tuas palavras não chegaram a mim.
Sorri. Sorri porque fui eu que te pedi. Aproveita o teu horizonte porque se o tens, fizeste por o merecer. Não sei o teu ontem, ainda não vi o dvd do teu passado. Sei que o tenho arrumado algures no armário mas há tanto lixo a queimar lá dentro que quando lá entrar, acenderei finalmente o isqueiro, fumarei um último cigarro e quando este chegar ao fim, deixá-lo-ei cair em cima da gasolina para me levar a mim e todo o meu apartamento para a imortalidade do silêncio. Não desejo que o meu fogo te estrague a vida, te entre pela porta de dentro e destrua a paisagem com que te delicias. Não quereria isso se tudo o que eu te desejo é bem. Posso é desejar que todos os andares abaixo do teu sejam queimados para que o teu elevador não desça mais, para que apenas suba até ao topo do prédio, para além das nuvens. E sabes, a minha vida é como aquele elevador. As portas abrem, as pessoas entram, sobe, desce, pára e as portas voltam a abrir para as pessoas saírem. As pessoas falam, dançam, gritam dentro do elevador. Mas o elevador nunca diz nada de volta, nunca dá nada de si. Existe para servir e para desaparecer. Um objecto banal que muitas pessoas não dão valor no dia-a-dia. Facilmente esquecido até ser tempo de voltar a subir para casa. Eu sou assim. As pessoas entram, as pessoas saem mas nunca ficam a saber nada de mim. Apesar de eu ter uma voz, escolho não a usar. E então volto a mudar. Para outra cidade, a mesma paisagem.

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