sábado, 26 de fevereiro de 2011

Oceano I

Imagina que és um oceano. Eterno, profundo, obscuro. Conheces melhor do mundo do que o mundo te conhece a ti. Estás um pouco por todo o lado. O horizonte nem teu vizinho é, faz parte da mesma casa que tu, é teu irmão. Imagina as ondas que se vão abater nas areias. São dias, anos, séculos a passarem, mas tu mantens-te. Porquê? Porque tu és tudo. És os anos, o teu próprio tempo, controlas a tua vida, sempre observado na noite pela Lua. Conforme for a tua vontade, todos os que vivem dentro de ti obedecem-te. E a areia? A areia é o suicídio do teu aborrecimento, da tua ignorância. As ondas se despenharem contra a praia são reflexo da experiência que adquires.
E por isso não apressas a tua existência. Estás sempre dependente de outrem. Não interessa a estação do ano, se o Sol brilha forte sobre ti ou se a chuva te alimenta o ego. Serias fraco se não tivesses rochas contra as quais te debater, serias obsoleto se não tivesses a areia para molhar. Não que já não tenhas tudo isso dentro de ti. Tu tens, mais do que qualquer outra pessoa poderia existir. E nessas areias escreves a tua história, apagas e voltas a escrever. E nessas rochas confessas amores que não te foram correspondidos, feridas antigas, cicatrizes que te fizeram chorar e sangrar. Mas isso são tudo peças de um puzzle que vai demorar muito tempo a completar. Por isso continuas, noite atrás de noite, a dançar ao ritmo da Lua, a ouvir a melodia das gaivotas enquanto elas voam à procura de peixe dentro de ti.
Tens rios que desaguam em ti, que te completam. Afinal de contas a chuva não é o suficiente para encher as tuas largas proporções. E como ninguém sabe ao certo o passado distante e por isso eu pergunto-te, já foste tu próprio um lago, uma ribeira, um rio? Tudo antes de seres oceano. Antes de te servires a ti, já serviste outros? Seria de uma ingenuidade e egoísmo enorme pensar que não. Se calhar lembras-te da tua infância, ao contrário de mim. Ou se calhar não te queres lembrar, igual a mim. Porque depois brilhavas menos exposto ao Sol. As tuas ondas seriam menores. Não arriscavas nadar em novas terras, descobrir novos horizontes, ter novos irmãos. Mas tudo isso não interessa agora. É tarde na noite e já marcaste areias suficientes. À luz do luar tranquilizas-te, abraçando um velho amigo, o sono.

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