quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cidade II

A vida é estranha por vários factores. Apanha-nos de surpresa quando menos esperamos e vira-nos ao contrário. Tudo o que conhecemos, de nós próprios e de outros, apagado ou simplesmente desviado. Sorte a minha de caminhar pelas sombras desta cidade. Deixo espaço para destacar que as paredes são semelhantes à minha anterior residência. Em antecipação ao teu pensamento, deixa-me dizer-te que estou perdido. Este sítio onde estou é outro mas o mesmo. Tudo é igual, anda mudou. Até mesmo o tecto que me abriga da chuva lá fora é igual. No entanto tanta coisa é diferente aqui. As cores são diferentes... ou talvez não. Talvez sejam as sombras que se mexem, dançam e enganam. Mentirosas que partilham a cama comigo todas as noites. E triste é o pensamento de que ao menos não durmo sozinho.
Não há honra nesta memória. Há vergonha. A velha descrição do que algo foi faz agora sorrir e encolher esta alma, farta de ser triste. Escondo-me nos poucos becos que me oferecem abrigo. Sinto-me um criminoso. Expressões vazias, sorrisos ocos, mentes... bom, essas já nem existem. Podes sentir que não me entendes neste momento, apenas um lunático com demasiados meios para escrita e imaginação oprimida pode entender o que digo. Enganas-te, nem mesmo eu me percebo. Arrecuas vagarosamente a tua mão, diriges-te para a escuridão. Mas isso não é nada de novo. Não percebes? Estás sempre a fazer o mesmo! Sempre foste o mesmo para mim! Uma sombra, uma vastidão de desejos e sonhos diários que nunca se realizaram. Cruel é o que és. Faca afiada que se delicia na vida que devagar passar por mim. Fazes-me sangrar, dia-a-dia. Cruel, continua a afastar-te de mim.
Ruas passam, cruzamentos definham. O horizonte é a mesma imagem que tem passado por mim nas últimas horas. Aqui posso verdadeiramente dizer que se uma imagem vale mil palavras, que tragam camiões e camiões delas porque a imagem não muda e as palavras esgotam-se com o tempo. Esfolo-me no meu caminho à loja de frutas. O sangue derrama mas não há cor a sair de mim. Ia jurar que conseguia sujar esta pedra mas tudo se alisa aqui, uniformes, as peças caem em cima umas das outras e ficam perfeitamente alinhadas. Suponho que o mundo não esteja a meu dispor para eu o conquistar. Não já ou talvez não para mim. Então vou deitar-me no chão a olhar para o mesmo céu de há tanto tempo. Estendes-me a mão? Agora? Irónico como a vida nos dá uma ajuda quando mais em baixo nos sentimos. Suponho que consiga permanecer nesta cidade durante mais uns tempos.

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