domingo, 2 de dezembro de 2007

Comboio do não regresso

O comboio atravessa a noite, toda a escuridão é apenas mais impulso para trocar todo o movimento pela pura isolação. O som do comboio, barra a barra, torna-se hipnotizante. Tudo converge num enorme silêncio maléfico que transforma os pensamentos em sonhos, as memórias em esforços inúteis. O tempo passa lentamente e lá fora está frio. Não querendo sair da realidade colorida em que encontro, onde nós nos reencontramos, sou puxado de volta a esta realidade morta onde o comboio se move, transportando pessoas, talvez até almas, seres invisíveis e fúteis à minha existência. O comboio move-se perseguindo a existência do som remoto e automático.
A escuridão lá fora é dominante, aliando-se ao frio que congela o coração e deixa de se ouvir o bater do coração para se sentir o sangue a ser bombeado para o vazio. O desejo de beber o sangue que cai no esquecimento para manter a sobrevivência do monstro no interior fica submerso enquanto que me mantenho hipnotizado. A visão de algo que já não está lá torna tudo o resto redudante. Não há mais medo, não há mais desejos, apenas a visão. E não passará mais disso. E tudo se estraga, a imagem arde na mão e o que resta é cinzas, como sempre foi, como sempre será. O pecado foi consumindo pela consolação no meio de toda a escuridão que ela teme. Não haverá mais barulho de fundo, mais mentira ou verdade, apenas a realidade daquele comboio em movimento.
O comboio pára e o silêncio instala-se entre todos nós. Os pensamentos ficam suspensos até aquele movimento repetitivo e metálico recomeçar. Continua a haver o desejo, continua a haver o pecado e continuo ali sentado a olhar para o exterior. Apático, distraído, com todas as defesas em baixo, com a isolação a continuar a ser quem manda na alma, os olhos mantêm-se vidrados, olhando para o infinito da escuridão no exterior. A procura pelas estrelas é inútil, apenas nuvens se mostram no céu e tudo o resto fica cinzento e decadente. Ninguém entra nesta carruagem, tudo se mantem igual mas tudo me soa diferente. E finalmente desejo o movimento continuo para que o som me hipnotize mais uma vez.
O exterior já não está parado. Se calhar até está. Se calhar é simplesmente a massa dos nossos corpos que se movimentam enquanto que tudo o resto está parado, as almas são arrastadas e tornam-se indiferentes tudo o resto porque não conseguem a escapar à sua prisão. Tornamos-nos em pontos insignificantes, futilidades indesejadas ou indesejando a sua presença neste lugar. Nada mais interessa que não o movimento continuo que faz nascer o som hipnotizante. A viagem de volta a casa não se torna em nada mais do que momento passados na liberdade remota e física. No final do dia, o que conta é aquilo que já passou, não aquilo que se está a viver agora. As memórias mantêm-se sempre, aquele comboio marcar-me-à sempre a memória.
E os pensamentos formam-se e apenas uma pergunta se formula e se mantém: as minhas palavras estão a perder sentido e sentimento, estão a ficar sem a mínima qualidade e já não me dão o repouso que me davam no inicio. É verdade? Se for, é tudo culpa vossa. Eu tentei fugir e isolar-me. Nunca me deixam.

2 comentários:

Rics disse...

já sabes como é miudo... fugir é cena de covardes, e o pessoal não gosta de covardes! ;);)

Connosco estás sempre tramado. Para onde quer que fores, se é isolamento que procuras tás lixado! :D:D

Nesta família não!!!! LOL

Anónimo disse...

Acho que não diria melhor, apenas de outra maneira.