quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Eu sou um Universo

E os dias passam, os risos matam as saudades que foram criadas pelas distâncias, acontecimentos adversos, obstáculos que com dor são ultrapassados. Mas tudo é morto num momento em que se entra no café e lá estão os amigos de longa data, aqueles mesmo importantes, sentados, a escrever, a desenhar, a sorrir e a conversar. Não se é um grupo nem seita, são indivíduos absolutamente fora do comum, extraordinários, mais que qualquer outra coisa. E é com um sorriso que somos recebidos por todos, com mais uma rodada para esta mesa.
O dia torna-se na noite e o vento traz um sabor extra amargo por uma despedida. Mais um abraço para uma infinidade de espera até eu te ver outra vez. Os trovões já parecem tambores que rasgam o céu e iluminam as nossas cabeças leves debaixo da chuva. Aquele é o momento em que eu não quero partir. Estou na rua mas não estou inseguro. Na verdade, sinto-me mais forte e confiante que nunca. Estou convosco e com a chuva. E sempre a trovoada a dar-me energia para o caminho solitário a percorrer. Que se desabe o mundo em cima de mim, eu consigo aguentar. Hoje e agora, eu aguento com tudo.
Eu sou um Universo brusco, tentativa de imprevisibilidade, também de invisibilidade. Tudo à minha frente, quadrado. Tudo estável, nada que arrisque a mexer-se, que se diversifique. Tudo fica dentro da sua caixinha e recusa-se a pensar mais além. E nós somos aqueles que fogem. Somos aqueles que mostram ao cinzento que é mais que a cor que nos pinta a alma. E, aos mundos que nos separem, que saibam que voltaremos, mais fortes e unidos. Há uns bons anos, não é António? Há uns 14 quase. E contigo Diogo? Há 2 ou 3 mas o suficiente para crescermos e fazermos tanta coisa juntos que já me sinto teu irmão. Falta, claro, o Ricardo. Lá tivemos umas pequenas desavenças, há tanto tempo que já nem merecem ser recordadas (se bem que cá ficarão sempre). Mas sobrevivemos. E nós somos Universos, mais que paralelos. Irmãos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

(Des)Equilíbrio

Apercebi-me agora da insignificância.
Atiro ao ar a inteligência que até agora tem sido um modo mago de alargar, expandir o meu ego, a maneiras que nos dias do passado tentei controlar. Vivo neste pequeno cubículo de insanidade que não alarga, nem com tempo, nem com ego. E então há dias em que me canso, me deito na cama, exausto de toda esta imensidão vazia para apenas viver neste quadrado, preso. Na escuridão é quando penso que realmente estou perdido, que criei algo que agora não posso virar costas, não posso destruir e que, por mais que me afaste, sempre estará lá. Mas todos os momentos que me vêem à cabeça, não os mudava nem trocava, não, por nada. Foram eles as melhores noites deste ano que está mesmo no fim.
O doce toque torna-se pálido perante lágrimas que se transformam em gelo trespassado por todo este vento. A minha pele, congelada, é cortada suavemente pela frágil folha de Outono que cai da árvore. Transportada pelo vento, não se deixa constrangir pela sua súbita falta de alimento e continua a voar, no seu último suspiro de Verão. O sangue decorre pela face como uma gota que foi deixada pelas memórias vivas que me assombram os sonhos e me conquistam a luz do dia. Estes glóbulos que deixam as veias viúvas do seu sabor, saltam para terra, salpicando a terra deserta de algo puro e inocente por onde crescer e dominar uma vez mais. Só então poderá apagar o erro que fomos e que a humanidade continua a ser.
Raios perfuram os céus e as gotas de chuva penetram tão suavemente a terra quão eu te acaricio os seios, duros, ainda jovens e inexperientes. Lá fora a noite não se consegue comparar ao teu vestido de veludo que vestes neste preciso momento, sobre essa tua cama de luxúria onde me deito todas as noites, inconsciente às incógnitas que se lançam sobre os meus sonhos enquanto me afagas o cabelo. São beijos enternecidos misturados com ódio que me lanças ao redor do pescoço antes de estacares a ferida com os teus dentes. Coses então cicatrizes de onde outrora as tuas unhas passaram e adormeces para outro dia acordares e veres que o erotismo não passou de uma máscara para todo o amor que partilhámos em noites esgotantes de gemidos e orgasmos.

sábado, 18 de outubro de 2008

Dimensão do vazio

Deves-me o glamour da tua alma, o espanta-espíritos que é o teu espírito. Deixa-me roubar-te o brilho para conquistar a derrota da escuridão. Despe-te da tua obscuridade e deixa-me rir perante tua fraqueza de ser humano. Hora de remover a máscara, a noite já vai por lá adiante. Deixemos os rituais e os espiritualismos por agora, a dança já morreu, agora só esse vestido me parece estar a mais entre nós. Tatuagem cravada a sangue por todas as dores que a tua mãe te deixou de herança à nascença.
As correntes empurram-te para a frente e para trás, no ritmo frenético da tua mente que deixa divagar pensamentos de luxúria canibal enquanto te afogas na paixão negra pelos mortos que caminham sob a luz do luar esta noite. Uma palidez tão suave na tua face que faz as pedras chorar. Nesta noite chove, a tristeza da tua partida para o outro lado do teu ser, a escuridão para a qual construíste um mundo e destruíste uma história. Obsessão crio, sentado a teu lado. Perco-me em todo o teu esplendor e nada mais tenho a dar. São apenas palavras, sacrifica-as para teu próprio benefício.
Queimas as cartas que te enviei, não tas envio mais. Não sei o que significa, não quero descodificar essa tua mente confusa. A neblina acerca-se da falta de espírito, é a noite a cair sobre tudo o que deixaste em deterioramento. Caçando as criaturas da noite, o cinismo e a hipocrisia caem sobre ti como duas metades de um mundo e congelas onde a estaca caiu. Nada mais há para ti, nada mais és, senão uma ferramenta enferrujada que uso, noite após noite, até também eu me fartar de ti e te deitar no lixo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Labirinto da sua insanidade

Este espaço parece tão grande, tão vazio.
No seu majestoso livre arbítrio,
Escravo à inocência deixada na infância nunca vivida.

O sociopata vivendo dentro d'ele,
Acorda o psicopata que conquista o seu conhecimento,
Cedendo o seu corpo à causa da sobrevivência,
Na escuridão descartada pela solidão.

Oferece-se labirintos de liberdade,
Caminhos nunca antes percorridos,
Um salto da realidade para o pandemónio da tristeza,
Um passo e ele está preso num manicómio.

A anestesia do ritmo cardíaco,
No silêncio da noite,
Com um sorriso desvairado,
De um demente, um ser tresloucado.

As chamas que possuem a sua cabeça,
Queimam-lhe os últimos neurónios,
Desligam os circuitos, cortam a corrente,
Deixam-no a sangrar, morto, colérico, sem energia para tudo mais.

Uma amostra da visão da Lua,
Um sentido de liberdade,
Voltamos ao labirinto da sua insanidade,
Adorando a claustrofobia do seu génio.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Fantasma de areia

Quem és tu,
Estranho ser que entre paredes de areia caminhas,
Tantas vezes que tentaste apagar as tuas pegadas,
Mas tudo o que apagaste, voltou em sonhos para te assombrar.

O oásis já se vê à distância,
Um barco de papel talvez o seja,
Mas não há felicidade aqui,
Onde te afundas tão despreocupadamente.

A tua linha de vida, desenhada,
Tu, que procuras uma vida a sério,
Fantasma da janela,
Deixa a chuva cair sobre o meu terraço.

Sobre o meu tejadilho de vidro,
As pedras partem-se,
Mas a areia que trouxeste da tua viagem,
É a relíquia que me faz cair aos joelhos e chorar o desespero.

O sangue molda um novo ser,
Esta criança não chora pelas sombras que as nuvens esqueceram,
o espírito emana uma nova sensação de esperança,
Enquanto que a penumbra penetra o teu medo.

Faz-me acreditar que viver é fácil,
Faz dos meus sonhos cativos,
Prisioneiros à tortura que te mandei na mudança de vida,
Que me libertes no dia em que sentires.

Uma pedra negra sobre a história

(Se percebesses o meu desespero agora...) As palavras não são recebidas, tu és intendida, fora do limite. Espero pelo dia em que possa adormecer debaixo das árvores do nosso próprio ser, para colher o fruto que se tornou podre dentro do teu seio. Ventre deserto, ser seco como a própria definição da sua palavra. Não me deixes sonhar agora, neste próprio dia que aprendi a crescer e ver o mundo com outros olhos.
Que outros lábios me cheguem à respiração, tornas-te apenas uma sombra do passado que revelei ser essencial para mim esquecer, pois agora quero seguir em frente. Mas continuas desse lado, apenas um rio a atravessar, talvez um rio em que me possa afogar contigo. Posso-te fazer as promessas da noite mas quero deixar isso para trás. Quero ser mais frio, mais indiferente ao teu ser, à tua presença, ao teu toque na minha alma. Quero que a tua luz se apague e eu me dedique ao meu canto da escrito onde te vejo tanta vez. Mas continuas cá, mesmo agora que adormeço sob a sombra de uma outra árvore.
Conquista-me a noite. Andamos juntos na sombra dos becos, vencemos o sonhos e encontramos os teus amigos, que venham eles festejar connosco pela nossa loucura, toda a noite, acordando a madrugada. Que venham os primeiros raios de Sol e os trespassem, trazendo consigo a tua sanidade e matando a tua ilusão de felicidade em que libertaste todos os teus sorrisos guardados e que esqueceste os teus demónios. Que sejam os fantasmas do teu passado que te ofereçam a faca com a qual cometerás suicídio. E deixa-me chorar sobre a tua lápide como que uma criança que perdeu o seu rumo e não tem nada mais a que se agarrar. Vou contigo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

(Abro portas) Uma nova fase

Sê bem vinda de volta melancolia, trazida pelos doces ventos que saem daqueles fracos alaranjados, corrompidos com ácidos que me destroem o interior do corpo. Tu! Tu corrompes-me a alma. Vezes sem conta a pintas de diferentes cores, desconhecidas a meus olhos. Ai se eu pudesse olhar para o interior. Conseguiria ver-te e o enorme sorriso que me roubas quando a mim chegas. Chega! Chega de tanto lamento em forma de suspiros que me obrigas a soltar. Não te ofereço mais palavras, não tenho mais lágrimas para ti. És apenas mais uma velha memória, com o tempo esquecida.
Que te trouxe de volta? Não há razões para fechar os olhos e adormecer, agora que o Sol brilha tão forte sobre o meu mundo. A energia escoa de toda a escuridão que tanto tempo prevaleceu aqui mas o combate acabou, há que virar a página do livro e avançar na história. A minha vida não é uma fantasia a ser descrita pela mão juvenil e ignorante de um escritor qualquer que se limita a sentar em casa e ver televisão o dia inteiro. E não és tu que vais preencher mais de mil páginas sempre com a mesma mensagem.
Que sejam dispensados mais mil beijos. Que sejam louvados mais mil anos à sombra do actos passados. Apenas com erros aprendemos que as nossas acções e emoções são apenas objectos fúteis sem propósito ou qualquer ganho num futuro próximo. O materialismo e o consumismo são ordens de desonra e desordem que gritam tão baixo dentro de mim, tão fácil ignorar. E então caminho, não velho, não novo, igual mas diferente, para a frente. Abro portas a uma nova fase de mim mesmo.

domingo, 12 de outubro de 2008

Noite de Outono

A noite estava fria, a chuva caía como que pedaços do céu cinzentos até à sua transparente queda no chão, limpando a terra que pisamos. Mas o calor denotava-se dentro de casa, o whisky teria chegado ao seu destino. Não apenas isso. A sua mulher, a sua encantadora e cativante mulher, no seu vestido vitoriano, usando um corpete para formular melhor as suas linhas, estava com um brilho especial nesta noite.
Enquanto a observava, sentada na sua cadeira, a ler o seu livro, discretamente ou inconscientemente a provocar-me, a tentar com que ceda à sua tentação e que me deite com ela uma noite mais. No seu simples e pecaminoso ser de veludo, move-se lentamente, procurando uma posição de maior conforto. Que mais conforto! Que mais tentação me traz ela enquanto desliza a sua mão pelo seu peito sobressaído, que mais eu me perco no seu brilho. Maior conforto posso eu dar-lhe na minha cama. Levanto-me e puxo-a para perto de mim. Caminhamos então para onde as minhas mãos a desejam.
Deito-a na cama e como a deslizar lentamente a minha mão pelo seu corpo abaixo, acariciando cada pedaço de pele como que um pedaço de fio de ouro, chegando finalmente à cintura
com violência, puxando-a para mais perto do meu corpo e continua a deslizar a sua mão para baixo até sentir a tua zona mais privada, molhada, ansiando o toque febril que a penetra. Mas ela resiste. Afasta os seus cabelos ruivos de mim, começando a chorar. Não pensa ela que eu seja real, que todo o nosso romance seja real. Apenas sente frieza e distância.
Agarra-a então nos braços e viro-a para mim, dando-lhe um longo e sentido beijo. Foi como que uma promessa. Foi talvez um poema que recitei na minha alma e que incandesceu na sua mente com a ajuda da luz do luar que nascia por entre nuvens cinzentas de Outono. Ela parece ceder. Sinto-lhe os braços a tremer, gotas de suor na testa que escrevem livros de desejo. Como que um presente, os seus ruivos cabelos soltam-se e descem pelas suas costas, dando-lhe um maior lugar no meu coração. Deitamos-nos então. A noite vai ser longa e de grande calor.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Testemunho de grito

É tudo tão simples que até me dói compreender. A luz que ilumina este papel enquanto que a pena desliza sobre ela na sua furiosa dança, procurando um novo significado para a sua leve e quase imperceptível existência. Nesta insistência do rítmico ser, que constrói a rima no leito da sua morte, enquanto sofre de luto pelos seus companheiros de guerra que faleceram a seu lado, com os seus próprios sangue nas mãos, lançando o último choro à terra e abençoando e protegendo os que deixaram em casa. O cérebro está cicatrizado para o resto da vida e a noite torna-se um obstáculo ao prazer de viver a que se tenta agarrar este guerreiro. E, já que a alma o permite, as recordações tornam-se tubarões nos seus sonhos, nadando em sangue e alimentando-se de lástima.
Se permitisse o Inferno voltar, a Terra, na sua decisão de retomar a guerra que a milhões destruiu e que famílias acabou, heranças que deixaram escravos por recolher. Não escravos humanos, servos de outros iguais, mas sim escrevo do deus Marte, deus da guerra, que tudo planeou, em anos de silêncio e paciência, juntamente com Plutão. Acompanham-nos agora os maldizeres da verdade, vizinho da distorção da história que tornam heróis em fracassos e cobardes em deuses. A primeira morte entre indiferentes irmãos que servem a pátria com sangue e suor, que deixam mães, mulheres e filhos a chorar, seres melhores que deixam por provar o verde da erva que cresce em frente das suas casas. São então um pelotão de mortos que preenche a terra esbatida de uma nova cor.
Reconheçam-nos, pais de todos nós, dadores do nosso orgulho e amaldiçoados da nossa preguiça, reconheçam-nos e agradeçam-lhes, pois graças a eles é esta a língua mãe que nos protege e todos sob o olhar cuidado da Deusa. São estas as podres palavras que nos são oferecidas para gastarmos em desperdícios de tempo e insensibilidades falsas. Apenas um tiro, um desejo, e tudo acaba, todos os sonhos, todas as memórias, todas as noites mal contadas e as idas à ajuda. Toda a bebida e um fígado destruído. Um tiro e tudo acaba. Apenas um tiro e o único sobrevivente que conquistou esta guerra passa o testemunho de grito para outro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A glance on the inside

It's hard to find, and even harder to keep on looking, the right words that mean something to me. Trying to see the benefit for such a coward effort, a light to guide the way of my writing into a higher level. I can't see the pain caused in others for the acid rain that I for long wait, I ignore all the emotions that come to my mouth and are spit out by a chance of fate. Notwithstanding this terrible emptiness that I feel inside, I grown to become a shallow image of the Horned one, sever of the Goddess. To them I give my lust and await forgiveness, not submitting, never dying.
A God-like man, a God-like stand, the justice hold in my hand, a power of persistence equals the power of a fool. My nymph. will you take my hand a tolerate my disobedience, in this night, so cold, that I spend alone? Rejoicing at the face of failure, a laughter becomes true in the deepest winds that blow over this city, illuminated by the artificial light for us created. Now rejecting the one's for them created, a cry upon this shelter, I look to dismay all the small beings that have heritage the forests. To gain right upon such a beautiful thing, to be such pure beings, don't allow me to reach that path for what I've done is now concealed in the coffin of the gods.
Break the spell and come trough the Moon, the cry of a wolf is the Mother Earth's sign to say goodbye to this night. It's late and the clouds in the sky threat another day of rain and sadness. In the pouring rain, I offer you my tears. Let them go trough the sewage, in the middle of the filth, where they are most likely to be confused with the rest of the dirt. For I say nothing more than letters of despair and past dreams, I've become a hole, a torn, in your path. For one more second of useless pride, Zhelia, I would give you my soul. But we shall not go back, for my life has the limit of time. So has your beauty. And I sit here, a shell of the principals I once had, in the youth of my immortal life.

De que quero - Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)

Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.

Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado,
E o que falta não quero.
O que me é dado quero
Depois de dado, grato.

Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.

Kamennogo Serdtsa Krov'

-Argh.
E com um final aperto na caneta, deixa-se a gravidade levá-la para o chão. Com a liberdade dos cinco ventos que trazem o trovejar jovem daquele que dormiu a sua vida, sonhou levá-la a alguma sítio. Mas tudo não passava duma ilusão. É tal como as rochas que formam o precipício sorriem ao jovem. Tal como a água engana, quando toca tão suavemente nessas mesmas rochas, compondo uma melodia doce à qual adormecemos e sonhamos que ali estamos. Com tal caneta, no meio de tantas palavras esquecida, que perfuramos emocionalmente os corações àqueles robots a que se chamam humanos. Não esconde a frustração, este rapaz. Não afasta o ódio quando escreve. Invés disso recolhe-o e transporta-o para a sua escrita.
É a última luz do dia, a noite aguarda pacientemente para vir e deixar o licantropo controlar, contemplando a luz da esperança em soltar um uivo à Lua. É o atrofio da mente que deixa o ser físico percorrer tantas milhas neste mundo espalhado no Universo negro e conquistado apenas para encontrar outro ser físico em que vai gastar mais que palavras e nada a dizer que seja algo decente e verdadeiro. Mas que sabe o rapaz que escreve? Ele próprio viajou por muitos anos para reaver aquele ser que o conquistou à sombra da sua infância. Tudo então era tão simples, tudo então eram despreocupações cheias de azul infinito. As folhas caíram. Hora de despertar deste sonho.
Retornas a agarrar essa caneta, escreves mais ódio nas palavras que preenchem o papel e agora tudo é negro. O dia deixou esta solidão sozinha com o vento, a noite abençoou esta maldição que regressa agora ao quarto. Através de penas um pequeno grito enche o silêncio e o mocho mostra o seu olhar atento à alma que guarda muito no fundo da sua lembrança triste. São cicatrizes que preenchem seu corpo e a admiração foi o assassino do seu conhecimento.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Malte

Já arde no alto da noite a vela, deixada acesa para iluminar estas escadas por onde crianças passam a correr, apressadas para irem ao encontro dos seus encontros. A sua cera escorre para o chão, que nem gotas de água que formam a imensidão da escuridão. O seu pavio contorna tudo o resto que é deixado vazio, para ser preenchido, para arder, talvez até, um dia ou uma noite, para esquecer. Por aqui passa tanta coisa, visível, invisível. Dispensáveis átomos que destroem neurónios e ciências vastas, muito por além das mentes que por aqui passam. São seres ínfimos que aqui conquistam o seu lugar na invisibilidade, sujeitos à morte cega.
Termina-se aqui mais uma estrada para os quartos, uma jornada onde a Fortuna comanda, os seres, humanos e não só, entregues à Sua vontade. Não deixando esquecer que são peças pequenas de um puzzle ainda por ser desenhado, por detrás de nuvens, onde os cobardes se escondem, onde os martírios são criados, onde as rosas encontram os seus cravos e descem à terra. O vento, ah sim, o vento. O eterno sopro que parece murmurar o nosso destino, com o som de mil cordas colocadas numa harpa deixada a um canto deste quarto, a ganhar pó. O vento traz as novas do outro lado, atravessou ele oceanos e terras a mim desconhecidas. E por tal feito, o respeito. Dedico-lhe o meu tempo e ofereço-lhe minhas palavras pois meu sangue e minha alma foram a outrem dados, sem um segundo de reflexão e agora uma eternidade de arrependimento. Ao vento resta nada senão um serão quieto e silencioso, na sua misera solidão.
Relaciono-me com tais coisas mencionadas neste pedaço de papel. E por tanto deixar a minha alma a descoberto, derrubo este pequeno jarro de tinta por cima das linhas e das letras para que ninguém mais descodifique o meu ser e entre desta muralha que tanta vez deixou entrar e que se rebaixou à sua insignificância neste jogo de toques suaves. Envio ou apago? Deixo-me cometer um último erro, para ter a certeza que não me estou a precipitar nas minhas conclusões, ou fecho-me neste momento no meu egocentrismo e no meu egoísmo e pego nesta garrafa de whisky que se senta leal a meu lado, esperando, ansiando, trocando olhares comigo, seduzindo para a sua bela cor, esbatida por todo aquele vidro. Ai, aquela garrafa! Ela quer-me tanto quão eu a quero a ela. A ela não cometo erros nem dedico poemas que vêm da mente, não da alma. Não preciso pois tal como não sinto por ela (nem por ninguém), ela não sente por mim. Apenas aquele toque, aquele sabor, o cheiro que preenche as narinas e toca no mais fundo deste pesar, apenas tudo isto e é dor que eu reparo que escrevo. Prossigo.
Desordem e caos reinam esta noite neste quarto. O silencio foi expulso quando o vento entrou de repente, levantando as proclamadas folhas. O brilho da Lua entra pela janela adentro e com tal arruma o chão que parece ser feito de outrora pedaços de árvore. Que árvore, meus amigos, tal vos pergunto. Que árvore? Que maldito ser nasceu e cresceu para um dia ser cortada e pelo vento levada, à mão do homem, que não vê o limite da sua exploração e crueldade perante tudo o resto que habita na superfície deste planeta? Esquecem-se que somos como eles, que sofremos como eles, que balançamos ao sabor do vento e gostamos da chuva, do Sol e da Lua, de tudo o que se revela no céu e nos entrega sentimentos. Temos pernas e braços, por isso mandamos! Mas é tudo tão falso, tudo tão relativo. Porque temos nós de matar para conquistar quando podemos viver em mútua cooperação? É um dos erros que irá exterminar esta espécie, penso e espero. Mas que é a esperança, de qualquer forma? Ninguém me ensinou em criança a sonhar.
Nesta cadeira me sento, sem rodeios, me entrego ao trabalho que se apresenta à minha frente. Terei eu de ver todo este quarto fechando os olhos e absorvendo a escuridão? Irá isso trazer-me a inspiração que tantas vezes encheu livros e livros? Mas chega de dúvidas, meus amigos. Voltaremos então ao que nos agrada, ao prazer. É no prazer de pensar que encontro tais palavras para vos mover, para comover a criança mais inocente e menos culpada de tudo isto. Não me sinto culpado, sinto-me orgulhoso, contenho honra. E vós? Que fizestes nesta noite para melhorar o chão que pisas? Não educaste pois uma criança a chorar, a sorrir, a falar, a gatinhar, a sonhar. Não lhe mostraste onde deve cair. Nem lhe mostres. Pois ela cairá tanta vez que um dia aprende a levantar-se. Eu vejo-lhe o génio pelos seus olhos. Não me fico pelo vazio do azul superficial. Procuro mais fundo uma razão de sentir tal atracção para proteger tal ser que por mim não foi concebido, de forma alguma. Tenho de ter uma razão. Não posso apenas sentir. Sentir é um erro que não voltarei a cometer. Aliás, sinto. Sinto por estas folhas, por esta caneta, por este jarro de tinta. São os meus companheiros de viagem que levarei para Avalon, para quando as brumas procurar e no seu chão repousar, seguro, eterno, uma divindade genial que vive de si própria. Eles virão comigo, tal como toda esta escuridão que me assola a mente. Deixar-vos-ei em silêncio, talvez até reflexão. Possa esta ser a última vez que o whisky me seduza.

Paranóia

Morto no apogeu do teu esplendor,
Quando mais a tua alma imortal se sentia adequada,
Quando tu te sentias em casa, pertencias aqui,
Aí vinham eles outra vez, as sombras das tuas ilusões.

E como se chamam àqueles que te perseguiram,
Como se renega ao passado, a vontade de se sentir bem,
Outra vez,
Dispensas esta realidade.

Caíste onde a tua lápide desapareceu,
Reaveste a história uma vez mais,
Nesta misera cova,
Que nem de ratos é digna.

Não encontras os teus sonhos,
Pelo meio de arbustos e chamas,
Neste ciclo em que já vomitaste os teus prazeres,
Passas mais uma vez pelo terror, mais uma vez por tudo isto.

E se não fores capaz de fugir,
Agarras-te a estes prédios, a estas ruas que na tua mente criaste,
Ofereces a tua sanidade pela sede de vingança,
Por uma oportunidade de deixar isto, trocar tudo por um momento de repouso.

Ah, a doce melodia do sangue a escorrer no chão,
A morte de mais um que não é dos teus,
Pois dos teus,
És o último.

Finalmente encontraste um sítio onde sentes,
Um sítio onde sentes a dor.
Essa dispensaste para te afastar antes,
Essa voltas a sentir porque tens de crescer, evoluir, para sobreviver.

Remove o instinto de sobrevivência,
Há finalmente uma altura em que todos temos de abandonar este Mar,
Anseias, não!, desesperas para que esse tempo chegue.

Nunca fui como tu,
Nunca encontrei a imortalidade neste corpo.
Nunca a desejei
Mas que erro pensas tu que eu cometi?

Procurei este caminho,
Desejei este caminho,
E não vai ser agora que vou arder,
Simplesmente pela redenção de todos os teus pensamentos.

Não temo os deuses,
Não os perdoo pelos seus enganos,
Não espero que o trovão se desvie no último segundo.

Terás de perceber,
Um dia tudo desiste,
Os monstros morrem,
A chuva pára.

Não é tua decisão para veres vultos no Sol,
É sim sinal de loucura quando pensas que alguém te está a seguir,
Nestas noites de Outono em que a luxuria e a tentação se mantém a mesma,
O feitiço que activei em ti, não se vai apagar.

Epopeia

Aurora

Sancto refúgio a tudo o que sente,
O movimento parece agora distorcido,
Lá no além onde o Mar não se vê,
E o desespero deixa o povo à Sua mercê.

Ao ritmo da queda do desfiladeiro,
O negro aparece na mente,
O medo toma conta do verde,
A ti te guardo, minha desastrosa morte.

Os caninos prendem às correntes,
O Mar lança-me as suas ondas,
Afundando-me cada vez mais no seu denso azul,
Encontro em Ti a minha luz.

Em reles agitação,
O vento traz a mensagem da tua perdição,
Talvez até fosse a tua vez de me desiludires,
Já eu me enganei vezes por demais.

Interludium I

Em pagão ventre, choro a morte da tua face,
A alegria que uma vez me pareceu tão real e forte
Assombra-me agora com ideias de isolação e artificialidade.

No arado da vida, continuamente enganados,
A distracção pelo prazer carnal tirou-nos a verdade dos olhos,
E a alma que tão frequentemente sente, leva-nos o cinzento.

Segmento

Deixemos então a semente da dor enterrada fundo na terra,
Sacrifiquemos as nossas esperanças e entreguemos os nossos sonhos,
Revelando atrás da cortina a morte do artista,
Que neste palco se incendiou e tão facilmente renasceu perante nossos olhos.

A serpente espalha o seu veneno,
Conquistou já o teu tempo,
Regressamos então à altura do conhecimento,
Em que a honra era o homem da guerra que procurava na Natureza o seu último sonho.

Escassez da dor no nome das rosas,
Lança um engano às tuas mãos que se encontram agora feridas,
Na juventude desse teu desespero, dou-te ainda muita vida,
Eu, quem muito tempo te tirou, quem muita paciência entrega por teus erros.

Engole um último engano,
Faz-me esse favor, dá-me esse prazer,
Talvez até o solstício te traga novas do outro mundo,
Que tanto desejas visitar.

Interludium II

Na memória das metáforas,
Corrupto caminho que percorremos até às colinas,
Por entre florestas onde as chamas são espirais ardentes de desconforto.

Nestes defeitos majestosos,
Aproxima-se a realeza ao povo,
Onde a morte consagra o sangue baptizado.

Invisibilidade

Aqui não mandamos mais do que os nossos próprios deveres,
Aqui não somos mais do que nobres e cegos cavaleiros,
Daqui não passa o propósito da devastação e terror,
Manifesto para ti e para tua morte o meu profundo horror.

A tua face, coberta com códigos indecifráveis,
Quebra o silêncio da tua dor anónima,
Usando heterónimos escritos em folhas caídas directamente do Outono,
Queimadas num engano do espectro.

Aos céus e voltando,
Enganando a sua tirania com palavras atiradas ao acaso,
Regressando aos fantoches da nossa beleza,
Deixamos crescer a invisibilidade da nossa divindade.

Às minhas deidades, ainda por descobrir,
As feras que me protegem dos teus pesadelos,
Tochas lhes ofereço, juntamente com o meu juramento,
De honra e orgulho.

Interludium III

Na saudade do erotismo em todo o seu regresso,
Incontrolável desejo de a teu pele sentir,
Neste tom de vida acústico pintado de castanho.

No casamento do nosso amor,
A ligação estabelece uma troca de prazer e dor,
Uma mistura apenas sentada aos pés dos fins do Inverno.

Aniversário

O meu sorriso perante o teu esplendor,
O meu riso perante tuas palavras preenchidas com saudades,
A minha cegueira te ofereça uma linha por onde seguires,
Um labirinto que atravessei para me encontrares.

Atravessando o mar que nos separa,
As brumas não me perseguem mais,
As ondas oferecem força para continuar,
As terras dão boas vindas ao nosso romance.

Quantos tempos mais teremos nós de esperar por uma Lua Cheia,
Nós seremos abençoados pela razão rara da luxuria,
Decidindo que teremos de viver para num novo dia renascermos,
E celebrarmos mais um aniversário do nosso ser.

Entrelaçando as estrelas com a noite,
Combinando a tirania do vasto céu azul com a sua palidez,
Encontramos os mesmo fantasmas das nossas vidas posteriores,
Quando nem podíamos ser donos dos nosso corações.

Interludium IV - Final

Um intervalo para relembrar o nosso passado,
Oferecemos aos nossos erros a promessa de não os voltar a cometer,
Entregamos-nos ao nosso eterno abraço, amaldiçoado.

Arrastamos os ventos por entre os Mares,
Controlamos o que à nossa frente mas sempre submissos,
Submetidos às ordens Dela.

Morte
É um terrível fascínio, aquele que partilho contigo,
Aquele que me foi imposto por outrem antes de conhecer.
É um terrível destino, conhecer-te e não partilhar-te,
Conceber este fascínio que por ti também tenho e não poder ter-te.

Engulo a cobra e transformo-me no seu veneno,
A sabedoria que me percorre as veias,
Escalando a minha própria transparência até ao cérebro,
Controlando, modificando, melhorando.

Sair deste buraco, pensando fora da caixa,
A honra dá direito à desordem que corre por mim,
O orgulho é a morte do guerreiro, quem tantas promessas fez,
Quem agora jaz neste solo pútrido pela falta de chuva.

Lança-me então o teu último suspiro, já to pedi tantas vezes,
Dá-me o sabor das tuas lágrimas,
O preço não é demais saber,
É demais ter e não saber usar, desperdiçado pela opressão criada pela tua própria mente.

Aos Deuses - Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)

"Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir.
A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A flor que És - Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)

"A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares
Depois de teres dado.
Flor, sê-me flor!
Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perere
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste."