"Não somos escritores. Pessoa, Verde, Camões... somos apenas tresloucados que andamos a ver e a pensar demasiado em vez de andarmos por aí nas ruelas a beber e a cantar, viver a vida e a destruirmo-nos por dentro. Devíamos ter deixado as nossas vidas de sentimentos, pensamentos, filosofias para trás. Tudo isto é em vão. Qualquer um pode pegar numa caneta e escrever. Até um miúdo de 4 ou 5 anos pode escrever sobre o quão feliz é na sua ignorância. Não somos nada, nunca o fomos. Simulamos todas estas coisas para dizer que não somos os mais inúteis e tristes à face da terra. E de facto não somos. Os mais tristes são os que se sentam nas cadeiras a lamuriar-se. Ao menos nós ainda nos escondemos atrás de mil máscaras e mentiras e até mentimos a nós mesmos sobre essa mesma tristeza que sentimos dentro de nós. Não é afastar ou esconder, ou até mesmo apagar, é mentir. Sempre foi. E se o gritarmos conscientemente, talvez venha um trovão das nuvens e nos reduza a cinzas para alimentar a terra. Mas vocês já foram, esqueço-me. Resto eu. Eu e muitos outros que ousam pegar na caneta. Somos todos incapazes... meros idiotas."
Frustrado, a vida mantém as esperanças em baixo. Tantas foram as conversas, palavras e letras do símbolo lusitano que hoje se usa com vergonha. As bandeiras arderam, o Rei perdeu-se no caminho para Avalon, deixando o Império procurando uma fuga à situação, formando a resistência à invasão que iria vir. O mito permaneceu entre nós, referenciado tantas vezes, saltando de boca em boca, de geração em geração e ainda hoje se observa as Brumas com esperança que Ele volte e nos governe mais uma vez, tornando o mundo nosso, como foi na altura das caravelas. O mar uiva o retorno dos imensos papéis esvoaçantes e do velho que berrava no porto de Belém às naus que deixavam a Pátria em busca de novas terras para os nobres enriquecerem. As saudades dos tempos passados que em rimas foram escritas pelo "zarolho" e então enriquecidas pelo "maluco". Aí sim, a escrita era rica. Até o estranho "legume" descrevia as ruas de Lisboa com o amor e dedicação necessário, reparando no mínimo pormenor e transformando-o na luz desta cidade cinzenta. As saudades dos bons tempos de escrita lusitana.
No Inverno, os telhados reluziam, brancos. Fechados dentro de casa, sentados na cadeira, à frente da lareira, aproveitando o último calor que restava naquela casa, as mãos tremendo, agarrando instavelmene a caneta, pressionando-a contra o papel, tentando não esquecer da sua filosofia que viera à cabeça hoje enquanto observa as mulheres a olhar para o mar, tentando ver, lá no horizonte profundo, o relançe de uma nave que trouxesse os seus maridos de volta para casa e para os seus braços. O amor morria lentamente, juntamente com o sonho, mas o poeta conseguia agarrar bem o fundo da alma e tirar de lá o afecto que, combinado com a paixão, formavam o amor a que firmemente se agarravam. Mulheres de lutadores, resistentes às tormentas e aos pesadelos, sentadas esperavam, nada mais podiam fazer. E ele, observando, sentado, também nada mais podia fazer. Nada lhe dera mais gosto do que morrer naquele Inverno. Ainda assim, as suas palavras permacem no eterno epicismo que é relembrado actualmente por aqueles que passam e acenam para as figuras esculpidas dos heróis de outras alturas.
Amigo, fala comigo. Escreve-me cartas a descrever como é Avalon e do que me espera um dia, talvez. Diz-me se o Rei perdido está aí e se tenciona algum dia voltar a nós e trazer esperança de grandeza e riqueza, felicidade e terras. Diz-me, és feliz aí com os outros blasfemos que hoje estudo na entidiante e desmotivante escola. Agarro-me ao sonho de te ver um dia destes, sentado à mesa comigo, com o vinho servido para quatro. Eu, tu, Camões e Verde. A discutirmos filosofias e ideias, relembrando momentos de felicidade e atrocidades deste povo que hoje mata a língua lusa. Revela-me o génio dentro de ti e de mim. Deixa-me compreender-te. Guia-me por meu futuro incerto. Sabes que me sinto perdido, várias vezes to disse antes de adormecer para que me desses uma luz do que fazer desta vida que é, por meu conhecimento, curta. Sabes também que não resisto à tentação de explorar as tuas palavras ao mais infímo detalhe, expremer-lhes o significado e encontrar-me ali, encolhido, como que uma criança inocente que só precisa de um pai que a abrace e brinque com ela por uns momentos. E encontro-me mesmo. Tanta vez que só me apetece copiar-te, escrever o mesmo porque é o mesmo que penso, o mesmo que sinto. Se ao menos as tuas palavras me podessem tirar desta prisão...
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