terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Debaixo do choveiro

Debaixo do chuveiro, pensamentos correm pela mente, devaneios da mente degradada pelo tempo e pelos teus beijos, mãos e olhares curadas. Sou mais do que um mero espectador neste espectáculo fantasmagórico no qual me deixei envolver. Estas gotas caem na minha frente e para cima do meu corpo nu, numa pose desleixada de total relaxamento. Neste tempo e espaço o meu mundo está em paz, os pensamentos podem fluir livremente. É uma caixinha pequena de tempo limitado em que realmente estou em mim próprio. Todos os problemas parecem desaparecer, evaporar tal como a água quente que bate na superfície da banheira. Aqui entram apenas a felicidade e pensamentos de ti, interligados. As memórias de ti, do teu sorriso, da tua mão colada à minha, dos teus beijos, a tua face, em cada azulejo, em cada gota, em cada parte de mim. Ofereço-te a minha imensidão.
As palavras escapam-me à mente, o doce toque da facilidade e a subtileza com que preenchia então este espaço em branco eram o meu maior prazer, é o que me falta agora. É o bloqueio do escritor ou de alguém que resolveu meter uma letra ao lado da outra e ver o que dava. Construir um espaço onde pudesse deixar filosofias, ideias, ideais, sentimentos, emoções, histórias, risos e sorrisos, tudo o que nos torna humanos e um pouco mais. Um espaço para tentar explorar, mostrar ou criar o génio. Talvez até desenvolvê-lo de uma forma selvagem que tem tendência em magoar outros. Mas avista-se bloqueio, o desespero de não conseguir emitir o que quer que seja, de transmitir a mensagem para o exterior e sentir-se preso numa espiral que não parece acabar. São escadas que rumam ao infinito escuro, caminho - para baixo. Sempre para baixo, nunca parando. Se me desse ao trabalho de contar os dias que passaram a fio... devo dizer as noites que passaram a fio sem que conseguisse escrever uma letra aceitável, algo que considerasse digno do que procuro ser. Poderiam os dias e noites de Verão voltar com a inspiração da chuva, se faz favor. Até lá não sou escritor algum.
Levo-me para onde possa ver os autocarros a passar pelas ruas de Lisboa. Olho para a janela e consigo ver as árvores. Sinto-me como uma delas. Excepto que seco. Sem isto não sou nada. Sem palavras sou mais um parasita. E ainda nem sei o que fazer no futuro. Sinto-me perdido, como que uma árvore de Inverno sem a neve nos seus ramos, a pintá-la de branco, como uma árvore no Verão, com a sua folhagem completa mas nenhum raio de Sol a alimentá-la, uma de Outono, sem as suas folhas amarelas e castanhas, prontas a cair no chão. Resta-me então procurar a de Primavera mas a essa ponho-lhe fogo tal como escondo os meus sentimentos. Intoxicado, tenho de sair daqui, correr para teus braços, lá encontrar repouso e sorrisos, bons momentos que quero para sempre manter comigo e partilhar contigo. Quem diria que o escritor não é mais do que uma besta presa à procura de romance e de alguém com um olhar igual ao seu? Porque temos de ser sempre tão frios? Nós não, eles. Não os percebo. Começo por não me perceber a mim, como posso percebê-los e igualá-los? É triste mas é algo passageiro. Agrada-me somente a ideia dos teus lábios nos meus. E um dia escrever-te-ei algo digno de ti.

1 comentário:

Stork disse...

Que texto, este e que palavras. Que bom é ver alguém escrever desta forma. Parece que até a água que cai no chuveiro tornou a mente de alguém mais límpida, leve e polida.
Virei aqui mais vezes, é certo.