sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Fogo de nós (escrevo ao mar)

Sou teu, filho da Lua, enquanto que durmo por entre árvores e sombras. Sou teu, filho do Sol, enquanto me movo por entre olhos e mãos vazias. Sou tudo o que tu queres e sou nada do que desejas. Envias-me a tua palavra com um surto de desconfiança e um recheio de incerteza no que dizes. Deixas-me a mim pendente na tua decisão e dependente da tua carícia e dos teus lábios. Cedeste por fim à luz do meu encanto mas tão rapidamente fugiste como que uma raposa entre lobos. Fecho-te os olhos para mais uma noite de pouco sono e muito engano.
Tenho-te tudo e não te tenho nada. Roubo-te o ser e o tempo, dou-te em troca tempestades e mortes de flores que tu apanhaste para incenso na casa. Altero as palavras para fazer da tua realidade a minha realidade, talvez até o contrário. Mas a maldição perdura entre nós, enquanto a princesa não morrer, nós não iremos viver para a nossa cabana ao lado do lago, nas profundezas da floresta. Roubaste parte de mim também, em troca modificaste-o. Por entre ti e mim, algo de morto surge e tiranos o descanso e segurança que tanto demorámos a ganhar. Como vai ser a seguir, não sei.
Acolho sons que provêm destas velhas cordas de guitarra que por tantos foram tocadas mas nunca realmente sentidas. Apenas por mim. E estas não se partem, não se vergam sob o peso da gravidade e cedem aos desejos de outrem. Não desaparecem nem se afastam, não deixam de me falar, mesmo em sonhos. E em sonhos eu morri sem que tu fizesses nada para me ajudar. Simplesmente viraste-me as costas e partiste, seguindo o vento, procurando o teu verdadeiro fogo que eu sempre soube que ardia no interior de ti.... e de mim. Porém rejeitas a minha parte e convences-te que existe outra pessoa que o contém. Parte então, ficarei aqui, olhos para o horizonte que se deita sobre o mar infinito, mar esse que também é meu.
Sussurro ao mar mais uma das muitas histórias do passado, mais uma lenda que se ergueu para voltar a cair. Escrevo-lhe palavras de desespero e melancolia enquanto que passo mãos por esta lata de cerveja que me acompanhou sempre, entre memórias e lutas, aventuras de sangue e amor e desespero por me perder nos pensamentos. Sangro directamente para o solo, onde duas serpentes se erguem e se enrolam nos meus braços, confirmando a reencarnação do corpo e a continuação da alma. Eu venho de longe, tu não compreenderias. Eu sou mais velho que o tempo em si, criei eu com estas mãos as areias do tempo enquanto me deliciava com Ela, no velho templo do Início. Relembro então estas areias onde me sento, esperando o teu retorno...
Sou este espaço, este lugar, este Universo. Sou este ser demasiado complexo para tu perceberes. Não que esteja a dizer que não tentas, simplesmente eu não faço por isso. Quero ficar neste paradoxo de tempo para sempre, sozinho enquanto que espero que venhas ter comigo, pronta para um nós. Soube a Lua branca, minha Mãe, Mãe de todos, faço a premissa de não ficar vazio e rancoroso quando finalmente vires a mim, com o teu sorriso na cara. Impossível não me rir quando te ris. A tua aura espalha-se pela sala e contamina todos os que te rodeiam. Mas entretanto, cá estou eu, à beira do mar, sem derramar uma lágrima nem rendendo um sorriso. Apenas imóvel como uma estátua, vendo-te voltar para o fogo de nós...

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