sábado, 3 de maio de 2008

Terço na boca do corvo - parte II

No cume da montanha da imaturidade, uma sombra move-se por entre as árvores, lendo o significado da história nas entrelinhas, dando vida na morte das personagens, enquanto as folhas de Outono caem no chão e os predadores se preparam para se lançarem às presas. O som do vento a percorrer por entre as árvores como uma criança brinca com a barba do avô, o som do rio a fugir da margem para a queda eterna, a perdição de todos os pensamentos do corvo que se mantém nos ombros do homem, alimentando-se da sua alma, esperando a sua morte para saciar a sua fome por carne. O castanho predomina o caminho, o preto é o que segue, o esquecimento é o que predomina. O mundo foi deixado para trás, o pensamento mantém-se vazio, desviando-se para as brumas, onde a serpente descansa, esperando a altura certa para se erguer novamente e dominar uma vez mais esta terra, tal como foi no início. O homem mantém-se absorvido pela leitura, o corvo está pousado no seu ombro, a serpente descansa.
A luta prossegue no seu interior, criminoso sem qualquer pecado, morto sem qualquer tiro disparado. As palavras parecem opacas, cheias de medo, um terror perante um futuro incerto, pavor perante sangue derramado sobre as suas letras, outrora razão certa, agora luta cega. O simbolismo das suas cicatrizes parece desvanecer enquanto percorre mais uma página com os seus olhos, agora mortos, inexplicavelmente perseguidos pela Lua durante a noite, ocultos pelo Sol durante o dia. A silhueta de outro alguém prevalece no horizonte, os seus olhos brilhando como a luz de uma estrela, guiando o homem moribundo para um destino obscuro, sempre com um sorriso acolhedor na face. O som da floresta é liderado pelos tambores da guerra, lá bem no fundo, escondidos por cidades de metal e cimento, negligência perante os cultos antigos. E agora o ocultismo absorve a terra pelo seu pecado, a criação dos homens, perante a perdição da doce virgindade das mulheres. O narcisismo ocorre pela face de todos, as lágrimas escorrem para serem escondidas pelas chamas, as imagens destruidas e tudo o que resta é a floresta onde o homem caminha, perdido no seu livro.
O corvo anseia a sua morte, o Sol esconde-se por detrás das colinas, envergonhado pelo seu medo. Lua, mãe de todos, guarda a sua santa castidade para o funeral do seu honrado filho, devorado pela sua história, arrastado para a escuridão pelo corvo no seu ombro. Na boca do maldito animal, a cruz do engano, o terço negro que queima a pele, perfura o osso e acaba nos confins da alma, esquecido e consumido, para nunca mais ser visto, permitindo assim uma ressurreição do verdadeiro culto, a serpente tornará a reinar, agora desperta para o teu reino, re-constrói o teu império, pois nada é demasiado tarde. Mãe de todos nós, Deusa imperial, devasta...

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