quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Metamorfose

Oferece-se mais um copo de vinho aos deuses, que tão ignobilmente lançam a sua víscera voz a nós e destroem as nossas vidas com a sua cólera. Agradecemos o néctar que acaba por ser a vida enquanto que nos encontramos nas quedas de água para uma espuma ácida que arde na nossa pele, muito antes outros fizeram o mesmo. A confusão instala-se e não temos nada mais a dar senão a nossa ignorância de voar, o nosso prazer nas acções mais carnais, o nosso desdenho a estranhos na rua.
Intensamente, falemos da nossa paixão pelo obscuro e pelos obscurecidos que, como nós, se perderam nos cantos mais ínfimos e desinteressantes da alma e lá encontraram uma luz cega, um novo prazer paranormal, esquecendo tudo o que outrora foi carnal. Tomaremos por força esta cegueira e torná-la-emos em mais uma das nossas forças, com palavras e lágrimas ensurdecedoras, com risos e sorrisos que demonstram o carinho um pelo outro.
Lembra-te de todas as palavras que cantei. Foram serenatas dedicadas a ti, apenas a ti. E tu, na tua pura e fraca existência, no final da tua vida decadente, nesse leito de morte tão febril que faz o meu coração tremer pela perda de alguém semelhante que é tão diferente, tão distante. Sempre te ofereci um lugar extra na minha cama solitária onde passei vários anos sozinho, ao relento, procurando alguém que me pudesse aquecer numa noite de Outubro tão fria, mortífera. E, até te encontrar, era apenas um lobo que vagueava pelas florestas da mente, perdendo-se em labirintos de árvores, queimando arbustos e chorando a morte de mais um bocado de si.
Apaga-se a luz dos candeeiros lá foram e os teus olhos fecham-se para mais uma noite eterna de sono. Que nos vejamos na próxima vida, perdendo-nos mais uma vez nos olhos um do outro, na incredibilidade da sua existência. E então sussurrar-te-ei... "penso que já te vi antes". Mas deixemos o futuro para o futuro, o amanhã para não existência e o passado para a dor e tristeza que se abate sobre mim. Na singularidade das minhas lágrimas encontro o teu sorriso partido e preencho uma tela sobre tu e eu. Agora só sei que tanta vez me pinto da dor que não sinto.

1 comentário:

Carla Marques disse...

tanta vez me pinto da dor que não sinto... andas a ler Fernando Pessoa???