segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Um brinde a casa (parte II)

Uma figura transfigurada, congelada, modificada. Eu, uma silhueta de afinidades, pensamentos a mil à hora e o puro estado de medo em que repouso nestas longas noites. Na mistura de tanto que pode ser racionalizado e afastado, encontro a fuga de uma raposa, procurando as últimas ervas que o Verão deixou para trás para serem consumidas. O seu pêlo ruivo, a resplandecer esta desfiguração que me entristece e enraivece por dentro, solta um grito, vibrante, intenso. Mas que mais posso fazer se não agradecer ao seu choro por me ter morto a solidão? Até parece ingratidão tal português, tão fraco, deixando a nobreza e orgulho do passado desvanecer. Mas é um animal, uma besta esquecida, torturada, procurada, caçada e morta. Afinal... afinal os animais, as bestas somos nós, que nada fazemos para merecer o que temos e o que temos damos a quem não nos merece. Cansado de toda a lamúria inventada, abandono este repouso e apago a lareira para mais uma noite de pesadelos.
Uma hora passei eu, desperto, sobre esta cama de desespero e insónias, na minha solidão que recuso e que não demonstro ao mundo. Mas o terror assola-se perante mim, deixando-me imóvel, os olhos a arder de lágrimas retidas dentro, vendo a minha sombra a transformar-se em algo medonho, alguém que não eu. Mas a sombra segue-me, a melodia do vento transforma-se num frenesim de imagens de terror, sangue e desmembramento. Então, invadido com toda a fúria, com todo o medo, com todo o orgulho, fecho os olhos e abro as asas, deixando esta penumbra transformar-se na minha própria escuridão. Então compreendo, ainda que bem no fundo deste monstro, que sou eu que realmente estou naquela sombra. O monstro representa apenas uma fracção de mim que suprimo no interior para não o veres. Apaga-se mais uma vez as luzes da penumbra, fecha-se as asas e cai-se uma vez mais em cima da cama, adormecendo, cabelo à frente da cama.
Um novo dia nesta prisão, cansado de toda a madeira, de todas as fogueiras, das raposas que me vêm mostrar o desespero de estar perdido dentro de mim. Gostava de um dia te encontrar outra vez à beira do lago, que andássemos uma vez mais para o abismo, que nos encontrássemos, abraçássemos na escuridão das rochas. Mas continuas sempre para trás, não consegues passar esta barreira de neve que caiu sobre a minha floresta. Então o lago gela, tal como as minhas lágrimas e o meu coração. Que o pano caia sobre o nosso palco e se conte o soneto das vezes que nos encontrámos e das vidas que deixámos passar sem amor ou real intenção por orgulho e pura liberdade falsa, enganadora. Deito fogo a esta casa de madeira e pedra e caio no gelo, congelo-me para que num dia de Primavera me encontres a dormir e me acordes para a nossa felicidade.

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