"Sinto-me rodeado por ignorantes. Tanta vez encontro paredes, mentalidades diferentes, ideias diferentes, filosofias que não correspondem. E julgo-me frio, logo raciocínio com mais lógica que os outros não frios. Mas não há o relevo de uma mentalidade inferior. Nem de uma superior. Mas há algo mais aqui. Há algo de facto. Há um frio ao meu lado que me cola os lábios e não permite que os pensamentos saiam. Um frio que vem por esta altura do ano ou que me acompanha pela espinha e lá se aloja até chegar ao Verão e ao coração. Já o calor ficou na cama. Na sua inocência imaterial, mostra-me o bom que é estar lá. E aí estou sozinho. Sozinho e no silêncio do meu quarto. O silêncio não é obrigatório - é inconsciente. Natura e automaticamente realço a beleza da escuridão que abraça a minha cama, aquecendo-me por longas noites sem chuva. E são os candeeiros que dão luz lá fora, na sua solidão presa por fios. Eles, na sua bela incapacidade de sentir ou pensar, estabelecem uma ligação ao vício de enregelar. O seu aço funde-se com a humidade seca e juntos fazem brilhar o cinzento pelas sombras que criam com as palmeiras à sua frente."
Num dia diferente estas palavras soariam tão mais redundantes. Num outro dia eu mudá-la-ias para murros e pontapés e saltos e corridas frenéticas até que a energia se esgotasse. O Sol não brilhava então. Então eram noites de chuva em que a tristeza e a fraqueza se abatia sobre a atmosfera à volta do meu corpo. Pareciam ser a única coisa que o meu centro de gravidade puxava. Encontro hoje então, uma parede à minha frente. Por mais que a empurre, que a tente afastar, ela não se mexe, não cai. Pouco a pouco vai-se deteriorando, ou sou eu que a vou moldando. O seu corpo, feminino, de uma beleza escarlate que me cega e que me preenche com devaneios. Imagino para além do longe e encontro que o meu próprio inimigo é este fardo de pensar demasiado pouco, ser muito impulsivo. Corro contra a parede moldada em mulher e abraço-a enquanto ela cai no chão e se parte em mil pedaços.
Sozinho outra vez, caminhando pelo deserto repetido que é a paisagem do meu quarto, corro os estores para cima e fico a observar a chuva matinal enquanto que o dia dá o seu cumprimento instantâneo por ser oculto pelas nuvens. Tudo se mantém tão escuro, este dia nasceu para uma pessoa morrer na sua loucura. Numa luta para me manter em pé, de frente para a estatueta que se mostra no vidro, reparo que eu não passo de uma fútil casca nascida para ser partida. Tantas vezes o desejei, tantas vezes o sonhei, só hoje realmente me observei e percebi, não sou nada senão igual a todos os outros. E esses outros tanta vez critico eu. No meu reino de hipocrisia, sento-me no meu trono e vejo-os, iguais a mim, mais uma vez, lixos sonâmbulos na terra. Criam o seu monte de sujidade, montam o seu trono e aí se sentam, criando cada vez mais sujidade, até chegarem ao tecto do universo e explodirem por falta de oxigénio.
Se pudesse citar o próprio imaginário, preencheria este mundo com cores e palavras, imagens e pesadelos, mortes e ódio. Uma tela do tamanho do Universo seria tão pequena que uma criança teria de dar o seu sangue para manter as chamas da explosão a arder. Um Universo paralelo por explorar... mas o que é realmente o desconhecimento quando foi a morte que nos apagou o que criámos? Continuamos cá, a flutuar, inerentes a tudo o resto. Tudo o que vemos é escuro, uma imensidão de preto contagiante e viciante que não nos larga. Persegue-nos que nem uma libelinha num dia de Verão à procura da sua liberdade mental. E nós somos a sombra desse mesmo preto. Provamos a nós próprios que o conforto e calor humano não é o suficiente e acabamos outra vez sozinhos, completando um ciclo, embatendo contra aquela parede inicial vezes sem conta. Moldamos-nos e aos outros da forma que queremos. Por isso é que nos magoamos. Vezes sem conta, somos nós que nos mentimos. Num dia diferente, estaria disposto a fechar-me. Se calhar a abrir-me. Não sei, a tela do meu imaginário está demasiado confusa.
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