Já não me lembro como era o beijo dela. Mas preservo ainda o seu toque, a sua pele suave, os seus olhos a implorar descanso, a sua miséria. Olho para baixo, vejo os segundos a passar no relógio, as cartas na minha mão mostram-me uma vitória garantida, com apenas quatro espectadores à volta da mesa para admirarem o meu triunfo e me consagrarem um alvo a abater. As horas são tardias mas a noite ainda agora começou para nós. O ambiente é transcendente a um mero jogo de poker. Um olhar furioso, um leve sorriso cheio de arrogância, a minha mente afoga-se no prazer da vitória. Breve, no entanto. Deixamos a mesa e as cartas, vamos caminhar na escuridão, sob as estrelas e contra o vento. Daqui a uns breves minutos estará ela connosco e o whisky percorrerá a garganta com maior velocidade. O sorriso morreu.
Tinha-me esquecido do quão doce era sua voz, o prazer que era aproximar-me dela e cheirá-la. Ah, a brisa de Verão. Nesta noite quente em que o sono nos abandona e tudo o que nos rodeia é-nos garantido no dia-a-dia. Inocentemente caminhamos, culpados apenas de sorrir e viver. Ainda que essa vivência não seja sempre tão agradável como este momento. Mantenho a distância. Ainda que a felicidade me percorra por a ver aqui, voltar a tê-la tão perto de mim, forço-me a não esquecer que aquilo que fomos já não voltaremos a ser. E por isso não há palavras que me escorram do pensamento para a boca, não faz sentido verbalizar o que me vai na alma. Há espectadores que não são personagens do nosso livro. Esta expressão dura mantém-se e vê-se como vantagem física e emocional para o jogo.
Como vi escrito numa parede qualquer, realidade cruel. A noite passa e o silêncio mantém-se. Como se houvesse uma parede de tijolos entre nós em que apenas os tijolos nos conseguissem perceber e admirar na nossa perseverança e determinação, por outros interpretados como estupidez e teimosia. O nosso escopo? Nenhum. Talvez algum. Não voltar a cometer os erros do passado, mesmo que tenham sido noites de Inverno mais quentes do que esta de Verão, com companhia mais agradável do que a que possuímos agora. Mas este é apenas um lado do espelho, nunca realmente soube o que se passava naquele lado.
3 comentários:
está engraçado...mas não há nenhum pormenor novo!!! hum... talvez seja importante leres Murakami. Escritor japonês, que escreve pequenos contos.
Sónia: Quando o coração nos exige repetimos as suas palavras não interessa quantas vezes seja, até que elas finalmente saiam e nós possamos preenchê-lo com novas histórias e poemas.
Posso fazer isso,, com aquilo que o meu coração quer que tu ouças todos os dias, seria adorável irmãozinho. Agora a falar a serio, se reunires todos os textos que já escreveste a volta deste passado, que é passado ..deve já dar um conto romantico com principio meio e fim.
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