sexta-feira, 27 de junho de 2008

Face no vidro

Vejo-te, face na janela, no olhar frio, caminhando sobre o gelo que se abate sobre esta terra, abençoando apenas a alma, deixando o corpo morto e inútil algures, seguindo as regras que impões sobre ti mesmo, aparecendo como que um sonho perante os moribundos. O que fazes aqui se a minha mente continua abstraida deste Universo e se a minha alma se abate sobre terras de fertilidade e paz? Ponho-me de joelhos perante a tua visão sabendo que a minha ignorância persegue o sentimento de cegueira total. Há o derrame de sangue sobre todas as forças que te movem e tornaste mortal uma vez mais, engolindo contigo as almas que se renderam pela fraqueza e submissão do espírito. Perante as runas e os monólitos encontra-se a chave para a imortalidade mas quem se revele merecedor de tal fortuna?
Engoli o passado num buraco escuro que desejo, deixei de sentir a melancolia pelo simples prazer do poder e abstracção de sentimentos e emoções. Evito então a perda de mais um bocado de alma, já enfraquecida o suficiente pela minha mortalidade e enraivecida pelos crimes da humanidade contra a Mãe. Prezo então algo mais que tu e eu, sigo o caminho para o sul tal como o rio ao lado do qual caminho. Vejo o Rei-Veado na floresta por entre árvores e arbustos, convidando-me para o sangue e desafiando-me para uma batalha em que apenas de um sairá de lá vencedor, vivo e merecedor da tua carne nesta noite. Recebendo a luz da Lua, espalho pelos campos a minha força enquanto eles florescem e dominam a visão até ao horizonte. Então deito-me a teu lado, merecedor do teu beijo neste noite e adormeço nos teus braços. Tu como a Deusa Mãe.
Deixo-me cair num transe eterno onde vejo a tua face queimada por aqueles que se sucumbiram à ignorância. Vejo-te pendurada num objecto não merecedor do teu toque, violada por hipócritas e cínicos, pretensos druidas, cobardes que em tudo se rendem e atrás de todos se escondem. Continuo a ver as tuas lágrimas a cairem no chão enquanto ardes nessa cruz, humilhada por seres a dominadora deste povo retrogrado. E eu, sem poder fazer nada, apenas consigo ficar de joelhos a olhar para a tua face no vidro que também se rende em dor e perdição, tentando abraçar o infinito, abrindo as portas para o descanso, Avalon. Pára por um momento, acalma a alma e ouve o bater no mar, as ondas a chegarem a terra. Estarás então na barca, enviada por o conjunto dos nossos poderes para poderes deixar a maldição de uma vez por todas. Então aí serei eu o crucificado por ter deixado esquecida a morte das sombras.

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