sábado, 14 de junho de 2008

Zhelia II

Hoje preciso de mim, tal como tu precisas do ar que respiras. Hoje preciso da distância, da visão, do olfacto de outra pessoa que me guie o caminho. Já o fizeste e bem vi o prazer nos teus olhos mas ao pouco e pouco esse prazer foi acabando, abandonando a tua alma numa concha perdida no meio do mar, como que uma pérola que deixou de brilhar, deixou de ter valor. Hoje perdi o que achava ser mais importante em nós, o brilho dos teus olhos. Esses olhos azuis de mar limpo que subitamente se transformaram em azul de mar poluído, corrupto por ideias e acções do mundo exterior, aquele que pensámos ter deixado de existir por nossa própria vontade. Eramos crianças então, ainda o somos. Hoje preciso de música, preciso de cantar e dançar, gritar daquela forma que ninguém gosta e poucos consideram realmente uma forma de música. Hoje preciso de tudo o que rejeitaste, tudo o que não gostas e das poucas coisas que chegas a odiar neste mundo. Hoje preciso de ser eu, o contrário de ti, para me afastar de tudo o resto, para consumir o tempo de vida que ainda me resta, aquele que não acredito que seja pouco. Hoje preciso das nuvens, hoje preciso da chuva. E quem diria? Aí vem o Sol, mas com ele não vem o teu sorriso de volta para mim. Vem aí o Verão, mais um festival que vou realizar sozinho, já não por opção própria mas sim por não ter mais qualquer outra opção. E tu, onde te encontras? Tu que me disseste que vinhas ter comigo quando fosse férias. Já cheguei à conclusão que não é no dia de hoje, aquele em que ainda escrevo, aquele em que ainda prossigo esta jornada que está longe de acabar e que ainda não tenho a certeza se já começou. Já fomos jovens, tu e eu, ainda o somos mas não mais o seremos.
Hoje preciso de andar descalço no chão frio, preciso de andar nu à chuva. Preciso de ficar doente, de cama, para que tenha o calor e atenção de outro humano que não sejas tu. E o orgulho não agradece nem desaparece, fortalece à medida que o tempo passa e o corpo cresce. O corpo ou o cabelo, perguntas tu. Não importa, nada mais importa desde que não estás aqui para o ver. Com certeza que ficarias contente por acordar hoje e veres que tens ao teu lado um namorado, talvez um futuro amante para toda a vida que tem o cabelo comprido, que ouve Metal, dá uns poucos toques na guitarra, o suficiente para te fazer baladas, que escreve belas palavras que enganam até os corações mais frios. Talvez te pareça um bocado convencido a dizer isto assim mas prefiro parecer e ser assim do que ter falsa modéstia, e sei que concordas comigo, não tentes discutir uma vez mais. Fomos amantes, uma vez, já não o somos mais, nunca mais o seremos.
Hoje preciso de uma lágrima, preciso de um choro infinito que nem no chuveiro, nem na chuva, nem na água do Oceano seja disfarçado. Hoje preciso de um pouco de afecto, talvez até tenha descongelado o suficiente o coração para receber um abraço. Hoje preciso que o drama acabe, que tudo seja inferior à necessidade de trabalhar, de me concentrar em algo mais importante do que nos pensamentos de ti. Hoje preciso que sejas tu mesma a dizer-me que estás aqui uma vez mais e que isto vai ser para sempre, nunca se vai romper, não vão haver chatices, vamos ser felizes juntos e para sempre. Ou se calhar preciso mesmo que me digas que acabámos de cara-a-cara para que finalmente o traduza para a língua do meu próprio Universo e o compreenda, ultrapassando-te finalmente com um sorriso na cara e os olhos bem abertos para uma nova luz nos olhos de uma outra pessoa. Hoje preciso de ser puro e de escrever, preciso de ser o teu pecado e de te conceber mais uma vez. Hoje preciso de matar, preciso de um sonho. Se calhar hoje não preciso é de nada mais do que adormecer, não sonhar e acordar apenas amanhã, quando estes pensamentos estiverem longe de mim. Outrora estivemos vivos, ainda o estamos, simplesmente afastados, felizmente para a minha sanidade. E, Zhelia, acorda-me quando chegares a casa porque acho que a nossa filha já encontrou a minha Mãe no céu da noite.

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