Ando perdido por estas ruas, vagueei-o-as, encontro-as intermináveis, de sentimentos desesperados e ultrapassados, de memórias sobre as quais escrevi e pensei, meditei e senti. Vejo o sentimento passar por mim, uma bruma de confusão indeterminada numa vida jovem que teimou em crescer mais depressa por querer agradar e servir a alguém. Cumprimento o desconhecido que me busca esperança e vontade de viver com os olhos. Quando a encontra nas profundezas dos meus olhos percebe que não pode voltar atrás, perdeu a alma para os confins da minha, deu-me energia e faz agora parte de mim. Nesta rua suja, inúmeras são as pessoas muitas mais as que me olham, com respeito e medo, do que aquelas que me amam e que me querem bem.
Vejo o mendigo que me teme e pede dinheiro, precisa de viver, de se limpar, recuperar de todos os erros do seu passado. Ele já teve uma vida fácil, já viveu bem, com um tecto para o abrigar da chuva e do vento, do tenebroso frio de Inverno e, acima de tudo, da solidão de viver sobre olhares de pena e superioridade. Ele esconde a cara por baixo de uma barba extensa e entre os seus braços. As rugas proíbem a passagem das lágrimas que lhe escorrem dos olhos. A idade pesa o ressentimento e o arrependimento. Por ele passam milhares de pessoas todos os dias mas todos os dias nem uma pessoa ele se sente. Um dia acabará com a dor de uma vez por todas.
Vejo a senhora dos gatos, a abraça-los ternamente, a dar-lhes festa e a alimenta-los. Sem dúvida que os ama, mais do que a si mesma. Proíbe-se de pensar em morrer um dia, preocupa-se com os gatos. Vejo a sua futilidade e fraqueza no seu sorriso. Diz que ama mas não fala com nenhum ser humano. A esses descarta-os a todos, não são como os gatos, bonitos e carinhosos. São maus e sujos e cruéis. Vejo a sua infantilidade morta nas suas mãos, já não faz nada para o evitar, o seu reino cor de rosa cai aos bocados cada vez que vê as pessoas da sua idade a passearem na frente da sua casa com os seus netos e um grande sorriso honesto na sua cara. Aquele que ela nunca teve, a felicidade que nunca durou. Abre as portas e deixa os gatos fugir, foi à cozinha, agarrou na faca e foi dormir.
Vejo o ministro. Tanto poderia estar aqui como a vender carros, como diz o povo. Poderoso o seu punho que se estiva numa tentativa de encorajar o povo mas esconde no meio dos seus dedos a verdade e liberdade, pela qual diz lutar. Abraça pessoas, pega em recém-nascidos, tira fotografias e distribui sorrisos. Mentiras sórdidas que nos apanham a todos e que nos tiram pedaços da alma. Caminha no seu tapete vermelho com o poder na mão e um alvo na nuca. Caminha uma última vez na tua glória injustificada, o que tu tiraste ao povo, o povo tirar-te-à a ti.
Todos eles são parte de mim. E eu, que sou? Sou um mundo, uma existência, uma realidade, um Universo.
1 comentário:
gostei deste texto, este sim parece uma historia...e com muita calma e cabeça deve dar para mais!
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