terça-feira, 2 de agosto de 2011

Rua da Falésia do Algodio

Deusa, quero a simplicidade. Quero a espontaneidade, a vontade, a força de vontade, a coragem. Quero o diálogo em contraste ao monólogo, quero a partilha em vez do egoísmo. Quero a filantropia ao oposto da minha eterna misantropia. Ofereço o conhecimento, o medo, o silêncio. Ofereço-te até as minhas palavras, silencia-me para sempre mas deixa-me uma visão tua e uma duradoura gaguez para descrever a tua beleza.
Esta é a beleza do Inverno. O cinzento, a incompreendida decisão, o isolamento das pessoas, a sua pressa para chegar às suas casas e se aquecerem. Sente-se a animosidade, é palpável a tensão que as pessoas sentem apenas de caminharem sob a chuva. A mim faz-me sentir vivo. Dá-me energia. Quanto mais corro mais energia tenho, desde que a chuva me caia em cima. Pode ser inanidade da minha parte dizer isto a mim próprio mas a realidade é que me encontro a sorrir com este tipo de coisas parvas. Até as aves passeiam longe do mar. Gaivotas pousam no parapeito da minha janela, olham para o mar com o seu instinto tal como eu lhe olho com melancolia depois de um copo de vinho tinto. Chove, chove, não deixa de chover. Igual ao meu prazer de ver da minha casa as pessoas a correr para fugirem a meras gotas de água.
Os dias passam por aqui, tal como as pessoas. O tempo é um criminoso que foge de mim com a vida que me pertence. Aqui chegam maresias e tempestades, o vento sopra furiosamente. Brevemente vê-se um redemoinho de areia a ser criado na praia, hoje vazia, tal como esteve ontem, tal como vai estar amanhã. Uma valente alma caminha ainda na rua, chapéu de chuva aberto, cabelos loiros a esvoaçar. A pressa é a habitual mas a tensão é substituída por medo. Medo de não saber onde quer chegar, medo de não chegar a tempo ao devido sítio. Não parou para lhe perguntar. A casa está vazia, apenas reina a melodia da música celta que deixei a tocar na aparelhagem. Tal como a casa encontra-se a rua, vazia. E o sentimento instala-se.
O movimento é sempre fraco por esta rua, até a própria tinta do meu prédio ameaça ir-se embora. A vista para o mar é a razão para me instalar aqui e aqui ficar. Não conheço aqui ninguém mas toda a gente se conhece. Há um tal isolamento na minha pequena casa que me vejo obrigado a trocar a alegre música celta por um pouco de jazz, um tributo à minha misantropia actual. E danço sozinho, espero que temporariamente. Mas tudo o tempo dirá, como sempre disse. As nuvens ameaçam ficar aqui, espero que alguém pare para me perguntar se eu quero ficar também.

                                                                                     I Can't Stand The Rain - Cassandra Wilson

Nota: O nome da rua foi escolhido ao acaso, não tem qualquer ligação ou validação na história aqui apresentada.

Sem comentários: