terça-feira, 9 de agosto de 2011

Zhelia VIII

Segue-me pela rua, absorve a revolta que atravessa e nos deixa incompletos, caminha em silêncio, todo o furor e barulho nesta guerra já é suficiente para fazer a terra chorar. Vê a minha silhueta, segue-a. À luz que vês, os meus olhos de lobo e sorriso de serpente, acreditas em que animal de mim? Por onde acaricio o teu corpo, o que importa, caminhamos na direcção contrária da multidão, nas ruas escuras, iluminadas agora pela Lua que se recusa em oferecer luz pura às ruas que já são fomentadas por destruição e crimes contra irmãos. Corre comigo por entre toda esta confusão, tenta escapar à anarquia de pensamentos que te passam pela cabeça, não te vão ajudar em nada. E por entre arrecuas da memória fica a lembrança do nosso plausível tempo passado juntos. São nessas arrecuas que vais achar todos os sonhos e felicidade que eras antes de conheceres este mundo. Este mundo do qual foges agora. Demasiado pequeno para conter as tuas lágrimas, demasiado magoado para suportar toda a dor que tu guardaste dentro de ti e agora procuras expulsar. Mas cuidado que as palavras ardem. Ardem tanto ou mais que o fogo que tomou conta das ruas. Ardem tanto que tudo o que podemos fazer é fugir para longe, para onde apenas as estrelas nos vejam e gritá-las para os confins do Universo, esperar nunca as sentir outra vez.
Dizem que somos os nossos piores críticos. Sabes o que tu és? És o que não vejo em mim, toda a bondade e inocência que nunca desejei ter, que nunca sonhei segurar nos meus braços. Mas agora aqui estás. Entre dunas, deitada sobre a areia fria, a olhar para as ondas distantes. Nesta escuridão da noite, onde a Lua já se escondeu atrás de nuvens, onde até o vento se recusa aparecer, és a única luz natural e pura que ainda brilha. E sem medo! Sem medo porque tens o que consideras pior agarrado a ti ou sem medo porque sabes que quando tudo isto acabar também a tua dor irá dissipar? Não me digas a resposta, tenho mais medo de voltar a ver medo na íris dos teus olhos do que milhões de tochas e uma multidão a querer matar-me enquanto permaneço encurralado. Ah, encurralado. É o que me deixas agora, com o teu sorriso, com a tua ingenuidade, com o teu sopro de alívio quando te deitaste no meu regaço. Livre de toda a maldade, de tudo o que actualmente significa ser humano, és tu, uma mariposa que gosta de pousar em flores carnívoras e sorrir apenas para fugir enquanto essa flôr ainda está demasiado atordoada com a tua beleza e simpatia para obedecer ao seu instinto animal. E essa flôr sou eu. Eventualmente vou-te magoar e abandonar à tua tristeza, à tua fragilidade, deixar-te para seres devorada por coiotes e abutres da sociedade, tornando-te apenas numa carcaça que faz os que passam por ti perguntarem-se o que terias sido antes. Mas ainda estou pasmo contigo, com tudo o que me dás, deixo-me aproveitar de ti enquanto tu me ofereces essa oportunidade. Esta noite é o delíquio de todos os horrores que nos atravessam.
A tua vida é o delírio da minha existência, és as palavras que me parecem escapar diariamente, a cada minuto, pelo pensamento, derivadas do sentimento. E quando já não há sonho que reste sonhar, sonho com o teu sorriso e como gostava que fosse eterno. Mas é efémero, todo este sentimento, toda esta alegria, acima de tudo, esta noite. E isso entristece-me. Mais do que tu nunca teres existido, mais do que apenas a revolta, violência e crimes existirem, mais do que a noite ser algo solitário em que me encontro sempre a olhar para o tecto a imaginar-te e como seria ter-te na realidade, de ir viver contigo para qualquer outro lado que não este. Mas não há lugar seguro agora. Não há espaço neste mundo para nós. E o pior é que o adoro quase tanto como a ti e não me vejo a abandoná-lo. Apenas sem ti encontro razão para continuar a vê-lo tão cegamente como o vejo hoje, de céu vasto azul e de Sol resplandecente. E esta tarde parece ser interminável, composta de um tédio e ódio de nada melhor saber fazer que arranjar desculpas para nada fazer. Espero por ti para me mudares e espero de mim uma resistência que nada alterará na minha vida mas que tudo quebrará na tua. Mas não te magoes, o lobo em mim continua a chorar por nós e a serpente sorri por não ter inocente para engolir. Serei algum dia alguém para ti mas terás a força para me entrares e seres alguém para mim?

1 comentário:

sónia fernandes disse...

Está giro!!! tens a certeza de ser o mais longo?