Descendo de novo estas cataratas, tão familiares. Elas simbolizam a minha procura por uma paz de espírito. E apesar de já cá ter estado tantas vezes, nunca cheguei ao final da queda, àquele pequeno lago onde se pode nadar tranquilamente. Desejo-o tanto. Silenciosamente, nas noites, nos dias, quando os meus olhos estão abertos ou fechados. Não importa. Vejo-me sempre no topo, a olhar para baixo e a atirar-me com ânsia. Mas o tempo fica paralisado, a água continua a cair, sem mim. E suspenso no ar, com um ar tenebroso e uma raiva que não consigo controlar, apresento-me eu. Não caio. Nunca caio. Apenas em desespero. Silêncio. A noite chegou e a rotina repete-se.
Em sonhos tudo se repete. A imagem é sempre a mesma. Nem o Sol, nem as árvores, nem a água, nem mesmo as pessoas variam. Todos permanecem lá, sem cara, sem voz, sem o meu consentimento. Mas sempre com a minha indiferença. Ainda não me são nada. Lá fora a noite prossegue, tal como na minha visão. No meu sono perturbado, os sonhos não acalmam. Não chega a haver uma mão que se pousa sobre a minha testa e me tranquiliza. Pontapeio mais e mais o ar, tento afastar-me deste gelo invisível que me agarrou a meio da minha queda mas nada parece resultar. E lá em baixo vejo pessoas a nadar, nem uma mão a estender-se para me agarrar, para me puxar para baixo. Acordo.
O meu quarto parece o mesmo. Mas há algo de novo. A luz do Sol rompe por entre as gretas do meu estore, iluminando as paredes que já tanta vez esmurrei e onde salpiquei sangue. Lá vejo, um novo dia nasceu. Que novo pode este dia trazer que não seja uma repetição? Trago vergonha aos meus pensamentos. Estas dúvidas não me vão fazer avançar. Mesma merda, dia diferente. A filosofia que me faz levantar da cama e caminhar para o dia disperso de rotinas que me aborrecem. Agora, com olhos abertos, sonho com as cataratas, elimino todas pessoas que se encontravam no fundo e troco-as por pássaros que cantam felizes algures na flores. Ponho os braços atrás da cabeço, fecho os olhos e penso "um dia vou descer, apenas tenho de deixar o tempo correr". E ele corre, tal como a água. Eventualmente também eu irei correr.
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