terça-feira, 17 de maio de 2011

O velho caminho - noite

Volto a casa, tranquilo, sereno, feliz. Sorriso na cara e demasiado envergonhado para falar mas projecta-se nos meus olhos uma esperança, uma visão do que quero que o futuro seja. Talvez seja tolo e demasiado velho para estas coisas mas estas coisas são novas para mim, penso que posso honestamente dizer que nunca me senti assim. A conversa das outras pessoas ao jantar é distante, a voz dela permanece-me na memória durante todo o tempo e a sua imagem faz-me sorrir sem parar. O vento podia ser violento lá fora, a chuva podia estar a cair sem parar mas eu continuaria a querer sair e ir ter com ela. Felizmente não é esse o caso. Está calor, céu limpo. Posso sair de casa de t-shirt e caminhar confortavelmente até à casa dela. Mal posso esperar pela hora de o fazer. O jantar acaba e eu preparo-me para sair. Depressa me arranjo e pela porta fora saio para as ruas que parecem intermináveis nesta noite até à sua casa.
Chego a casa. Uma sensação nova, confusa, deixou-me ansiosa e nervosa. Mas feliz. Definitivamente feliz. Vou para o meu quarto, deito-me na cama, agarro-me a uma almofada e penso na solarenga tarde, na sua voz grave, no seu cabelo longo a esvoaçar com a prematura brisa de Verão, nos seus olhos bondosos e sorriso honesto. E sem me aperceber fico eu com um sorriso na cara. Encolho-me e fecho os olhos. Estou num estado puro de alegria. Interrompem-me o momento, batendo-me à porta, a chamarem-me para o jantar. Sento-me à mesa, como distraída, o silêncio domina a sala mas não me perturba. Não hoje. Em qualquer dia seria razão para me enfurecer e querer despachar para o quarto e fechar-me lá a ouvir música. Mas não hoje. Estou demasiado feliz. Pouco tempo passa até me aperceber que o meu pai estava a falar, dirigido a mim. Tinha uma expressão séria e dura, mais do que o normal. Não, não pode ser, não hoje...
Chego à sua casa, mando-lhe mensagem para o telemóvel para descer e aguardo nas suas escadas mais ansioso que antes. Espero pouco, ela desce e sai pela porta do prédio. Desce as escadas e fica ali inerte, de costas para mim. Como disse, sou demasiado tolo. Esperava um abraço, um beijo, sei lá, até me contentava com um sorriso. Mas tudo o que via dela era a sua nuca, cabelo preso, como sempre até hoje. Permaneço ao seu lado e pergunto-lhe o que se passa:
- Vem comigo. - continua sem olhar para mim, com a cara rígida, como se tivesse acabado de descobrir que alguém próximo morreu.
Caminhamos na direcção da mata, vamos para o mesmo sítio onde vimos o Sol a pôr-se nesta tarde. Ela senta-se e olha para o horizonte com os olhos em lágrimas. Alarmado, sento-me imediatamente e volto a perguntar:
- O que se passa?
- O meu avô... - foi tudo o que ela me conseguiu dizer antes de se desmanchar em lágrimas. Puxei-a para perto de mim e agarrei-a com toda a força possível sem que a magoasse. Dei-lhe tempo para chorar tudo o que tinha a chorar e arranjar a coragem para me dizer o que se passava.
- O meu avô - recomeça ela a falar, mais calma - quer que eu vá para França estudar, ele acha que lá as universidades são melhores. E os meus pais são tão fracos que concordaram automaticamente. Nem deram luta. Nem me pediram opinião. Simplesmente disseram que sim.
Ela volta a chorar e agora sou eu que fico catatónico, a olhar para o mesmo horizonte que ela, a esforçar-me para não chorar também. Lá se foram os meus sonhos e visões do futuro, agora reluzentes no meu olhar, a escorregarem-me pela cara até ao chão em forma de lágrimas. Todos eles simplesmente destruídos, existiram em vão.
Ficamos ali agarrados em silêncio durante toda a noite e prometemos aproveitar ao máximo os poucos meses que restavam até nos separar-mos. Esta noite foi a pior e a melhor da minha vida, foi o dia mais completo, o dia em que posso realmente afirmar que fui dona de mim mesma e que conheci alguém que o reconheceu, aceitou e que se apaixonou por isso.

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