sexta-feira, 6 de maio de 2011

O velho caminho - manhã

Vi-a hoje no autocarro. O dia começou normalmente, tinha acordado atrasado, feliz por chegar mais tarde à aula de português, mentalizar-me de que teria de me esforçar ao máximo para não adormecer durante a aula, o que significava tomar nota de tudo, até mesmo aquilo que já sabia ou achava desnecessário apontar, saber de que chegaria cedo a casa e aí começaria um novo fim de semana para relaxar um pouco os músculos e a mente. Caminhei pela mesma rua de sempre, vazia a estas horas, quase a chegar à paragem vi-me forçado a correr para apanhar o autocarro e ali estava ela, absorta desta realidade, a olhar pela janela, olhos azuis fixos no imaginário, com certeza a desejar estar noutro lado qualquer. Sentei-me no lado paralelo do autocarro, decidi que se ela não ia olhar para dentro e ver-me, eu também não iria ficar a obcecar com a sua existência. Olhei para fora e fiquei a contemplar o exterior, vendo árvores e carros a passar enquanto a minha mente andava à deriva.
Hoje o dia começou como qualquer outro. O despertador tocou, levantei-me, fui tomar banho, vesti-me, tomei o pequeno almoço e saí de casa. Dirigi-me à paragem e lá fiquei à espera do autocarro que pouco tardou a chegar. Entrei e sentei-me, de longe a controlar quem entrava no autocarro. Ninguém de novo, ninguém de especial. Mas vi-o. A correr em direcção do autocarro, num sprint frenético. Acho que nunca vi ninguém a correr tão depressa. Fiquei espantada. Mas deixei isso passar, já passou o tempo em que ficava à espera que ele reparasse em mim. Era uma miúda nessa altura. Agora cresci, já não tenho tempo para quem não me quer. Ele entrou no autocarro e esforcei-me por me manter a olhar lá para fora, para não fazer contacto visual. Continuei assim a viagem toda. Num breve momento de fraqueza olhei para o lado mas ele estava no seu próprio mundo. Suponho que tenha colhido o que semeei. É apenas justo. Volto a olhar para o exterior, a desejar que ele se sente ao meu lado, que se dê a conhecer, deixe a sua faceta de misantropo e que me deixei entrar na sua vida. Chegou altura de sair, nem uma palavra. Este dia começou mal.
Reconheço estes prédios, este lado da humanidade. Reconheço especialmente esta paragem. Ela vai sair. Olho para a porta e para lá ela se dirige, de costas viradas para mim, como passou a ser há já uns tempos atrás. Nem um olhar, que cruel. Ela desce as escadas do autocarro, lado a lado com a sua antiga melhor amiga, estão chateadas há já algum tempo, desconheço a razão. Nem me interessa. O que me interessa já não me acontece. O autocarro segue em frente tal como a vida, desinteressada em dramas de adolescência tardia. Chego à minha paragem, desembarco e começo a andar para o metro. O metro que está sempre preenchido de selvagens a fingir que se integram com a humanidade. Se for preciso, no pânico da sua ignorância, nem se importam em empurrar idosos e crianças para o lado. Egoístas, são os mais detestáveis do meu dia. O caminho a partir daqui correu normalmente, ninguém conhecido, alguns apenas de vista. Vou beber o meu café, relaxado, sem ele adormecia nos primeiros cinco minutos da minha aula. Dirijo-me finalmente à aula, resolvo sentar-me ao lado de uma colega semi-conhecida e ela põe-me a par da aula. Esta corre bem, nem tive de me esforçar para não adormecer. A caminho da seguinte, calculo que a história se repita nas próximas duas horas.
Ah, a mesma escola dos últimos anos. As mesmas amigas dos últimos anos. Bom, quase todos. De qualquer das formas, o dia acabou de melhorar. O resto do meu dia de ontem, o que deu na televisão, os novos rumores da escola, tudo normal numa manhã. Vamos para a aula, hora de nos concentrar-mos para entrar-mos para a faculdade no próximo ano. As aulas passam lentamente, carga mental cada vez mais pesada e finalmente cedo, distraio-me. Má ideia. Ele foi a primeira coisa que me veio à cabeça. Sacana desconfiado, fechado, casmurro, burro... que não se quer sentar ao meu lado, provavelmente não faço o estilo dele. Argh, não pensar nele, não pensar nele, voltar à aula! À eterna e enfadonha aula, esta manhã está a demorar a passar.

1 comentário:

Maria disse...

Eu, pelo contrário, nunca fui grande fã do Jim até ao dia em que vi o eternal sunshine of the spotless mind. Acho que é dos melhores filmes de sempre, muitíssimo bem conseguido tornando uma história que poderia perfeitamente raspar a estupidez em algo completamente genial. E o filme em si é sentimento, é sentimento do inicio ao fim. Podia ficar aqui a falar dele o resto do dia.