"Não deixes o teu sorriso esmorecer, nunca, pois ele será a salvação de todos os homens da terra que são cegos ou demasiado fracos para andarem sozinhos" - disse-me ela enquanto morria nos meus braços, os seus olhos a procurarem o desconhecido e o seu corpo a perder todo o calor suave que me confortava. E, enquanto via os seus olhos fechar lentamente e a raiva se apoderou de mim, dei-lhe a maldição da vida eterna apenas com o tenro toque dos meus dentes, lambendo o seu sangue para a vida morta a que a condenei. Injustamente. Nesse momento senti-me fraco e fugi, sabendo que nos encontraria-mos mais uma vez no futuro.
Escondi-me sempre nas sombras, sabendo dela apenas por rumores nas vilas pelas quais passava. Sentia a sua alma assim como ela sentia a minha porque ficámos para sempre ligados através da dor e da mágoa daquele momento. Ela espalhava os seus horrores, cravava os seus dentes sem amor nem piedade apenas pela satisfação de fazer os outros sofrerem aquilo a que ela foi obrigada a sofrer por egoísmo meu. Já não era amor que ela tinha por mim, aquele amor humano e puro que ela tinha, mas sim ódio e sede por vingança pelo monstro que ela pensava que a tinha transformado. Sentia a sua alma a perder-se cada vez mais fundo à medida que ela avançava para absorver a vida de outra pessoa. E chorava por ela. Perdia-me nos puros pensamentos de suicídio e tristeza pelo amor que tinha perdido. Aquele que ia perder de qualquer forma.
Estava chuvosa, a noite em que ela finalmente descansou. Talvez estivesse a aprender a viver com o facto de que nada que ela fizesse pudesse alterar o seu estado. Eu sentia a sua alma a repousar enquanto ouvia o canto angelical dos anjos no alto das igrejas, observando-me e sentindo pena pela minha mágoa. Foi tal que começou a guerra entre eles, os anjos, e nós, os demónios. Os seus olhos caridosos brilhavam no escuro neste momento raro de paz entre as nossas duas espécies. Nem me dei ao trabalho de levantar o olhar a eles porque sabia que ela estava a chorar e que eu próprio o iria fazer em breve. Ouvia o seu chamamento.
Todos os dias sentia a sua dor e miséria nos gritos assustados das suas vitimas, todas as noites sentia as suas lágrimas a escorrerem-me na face pela mágoa e a raiva que ela sentia na sua alma, sempre ligada à minha. Ela perseguia-me, queria respostas, queria a minha morte mas também queria ver-me mais uma vez, sentir o meu amor na sua bela face para a consolar e saber que nunca a esqueci, que me escondi na minha vergonha e na minha própria mágoa e egoísmo. Porque nunca a quis perder e troquei todas as almas do mundo pela dela. Mas caminhava no sentido do desconhecido sempre perseguido pela sombra do remorso e do medo, tentando ignorar o meu amor por ela.
1 comentário:
Eu só digo uma coisa.... UAU (e com cara de parva)
Enviar um comentário