segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O que vejo

Vejo montanhas verdes, rochas, seres mortos, seres vivos, almas que nos passam e não nos apercebemos, o vento que suspira as boas vindas ao esquecimento, o fogo que nos aquece a alma e destrói o corpo, a água que nos salva a alma para ela continuar para um outro lado. Vejo que palavras que se tornam nulas, vãs, que não entregam a mensagem correctamente, que se esquecem de quem somos, que as criámos. Elas viajam livremente lá fora. Transformam-se em nada mas na realidade são tudo. Então prendo-as em mim porque a mim pertencem e a mais ninguém as vou dedicar.
Vejo a música que percorre o ar, enchendo esta sala e o meu espírito. E agora não encontro a música certa para o meu estado. Continuo a minha pesquisa pelos Blues de Chicago, vagueando para o metal progressivo de Opeth. Encontro a janela de pano que arde tão levemente nos meus ouvidos e me preenche finalmente a mente com imagens daquele quarto desolado onde outrora vim uma sombra morrer. Relembro o que disse nessas alturas onde o desespero era grande e a chuva era absorvida pelo mero acaso do descanso. O quarto era escuro nessa altura, compreendendo a minha solidão. O quarto não é meu agora, não passa apenas de uma lembrança de então.
Vejo o riso nos olhos de uma criança, tão vagos, tão inocentes, tanto que precisam da defesa de outrém. Ainda não independente, irás voar um dia pequena andorinha. A tua cortina agora é verde, trazendo esperança a essa tua pequena cabeça mas um dia verás o mundo a cores, pintarás essa mesma cortina que te ofereço de várias cores, branco, amarelo, azul, cinzento, preto. Simboliza-la-às com palavras e sorrisos, mas então será o teu olhar o profundo, o que contém dor por detrás de mil máscaras, o que progrediu para alguém real e não um sonho de outros. Vai dormir por agora pequena criança, eu vejo-te enquanto posso.
Termino então as palavras no interior de mim para compôr mais uma melodia aos mortos que não vêm nada senão terra e luz, presos num nevoeiro tão denso que nem a sua própria liberdade encontram. Que lhes resta senão ouvirem o que lhes tenho para dizer, o que lhes resta então senão verem a densidade desse mesmo nevoeiro que não se modifica, não sai do seu cinzento permanente. Ficam pelo fascínio das minhas palavras, imobilizados. E será uma mariposa a levá-los daqui, deixando este velho lincantropo descansar antes da sua última batalha.
Perguntam-me então os sonhos, as sombras, as cores, as músicas e os obejectos, que vejo eu? O que vejo... vejo nada. Perdi tudo e tudo ganhei. Quando? Não sei, algum dia talvez. Talvez até seja a minha Mãe, a Lua, a trazer-me o que o negro não pode dizer. Mas até lá, que outro som preenche a noite de Lua Cheia senão os meus uivos, a queda das minhas lágrimas ao solo infertil? Profanado ser pela esperança da vastidão de Avalon, onde os pastos são verde e a junventude é o mero acaso da imortalidade. Fico-me pelos sonhos enquanto estou acordado, à beira da ribeira da minha imaginação que seca à medida que os dias passam. Obrigado pelas palavras, escuridão, mas agora nada vejo senão pó sem qualquer significado...

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