sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Sonho - capítulo 2

Porque é a raiva algo tão negativo, algo que indica a insanidade de uma pessoa? Continuo a caminhar por entre deserto ventoso, levando com pequenos grãos de areia na cara, esquecendo tudo o que outrora aconteceu, nunca querendo olhar para trás para ver quem me segue. Cegamente, caminho para algo que fortemente me chama à noite, uma luz brilhante, decadente mas ao mesmo tempo com todo o juízo de mente e sanidade que se poderia pedir a um habitante deste planeta. O céu está a deixar de ser azul com apenas o abrasador Sol a brilhar e começa a deixar com que a escuridão tome conta. Começa-se a destacar as estrelas e a Lua, minha mãe e minha deusa, o ser que me guia, mesmo quando começo a acusar a insanidade do Apocalipse. Está lá sempre para mim, como sempre esteve. Nesta longa caminhada, a minha nuca foi sempre alvo de visão de uns olhos cansados e desejosos de palavras e comida decente. Mas não é altura para parar. É a raiva que me guia, é a raiva que me controla, mais nenhum sentimento, nem mesmo compaixão.
A noite chega finalmente e o incontrolável desejo de descanso toma conta de mim, afastando esta raiva imensa da minha mente. Vejo a silhueta daquela pessoa que me segue todo este caminho. Está desejosa da comida cozida que se vê na minha fogueira. Encontro os seus olhos, verdes, brilhantes até mesmo na escuridão, profundos, cheios de mágoa e cicatrizes nunca mais remediáveis. Levanto-me e gesticulo de forma a que a pessoa se aproxime e me deixe conhecer melhor. Desde que saí daquela cidade que me parece uma criança mas nesta terra, os pecados transformam as pessoas até em demónios. Uma maldição. Mas, olhando de novo para a silhueta, vejo que os olhos brilhantes se afastam. Apenas quer comida, pois ainda tem medo do que viu, medo do que sou e do que mostrei. Lamento por mais um pecado que sei que cometi. Fico-me pelo meio da distância que outrora tivemos e deixo lá comida cozida envolta de um pano. Talvez a minha alma esteja a pedir perdão pelos actos da minha mente.
Deito o meu corpo pesado numa cama constituída apenas por uma manta e areia. Caio rapidamente num sono profundo, na busca interminável de sonhos. A perseguição pelo destino continua e vejo-me a dormir no deserto. Estou ao lado das estrelas, repousando levemente ao lado da Lua. Algo me chama na Terra. Uma jovem humana de cabelos loiros, uns olhos verdes brilhantes, aqueles olhos brilhantes que vi antes de adormecer, na escuridão. Os olhos verdes pertencem àquela criança que me persegue. Chama por mim, quer a minha ajuda mas também quer ajudar-me. Procura algo, uma imensidão cinzenta, um nevoeiro que nunca acaba. Tento aproximar-me da rapariga mas não consigo. Abro os olhos e vejo que tudo foi um sonho, que já é de dia e os escorpiões já estão prontos para me acompanhar na dolorosa e solitária viajem. Levanto-me, não olhando para trás mas desejando que a perseguição da rapariga se mantenha.

Continua...

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