segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Começo

Saído da escuridão, caminhando para a luz. Tenho a natural dificuldade de ver pois os meus olhos ainda não se adaptaram à luz que o Sol irradia para a Terra. Consigo ver a luz mas não consigo sentir o calor. Ultimamente o calor é algo que me tem escapado e muito. Demasiadas noites passadas ao relento numa viagem interminável pela busca de algo inexistente e sem valor nenhuma a mais ninguém que não a mim. Não comunico com ninguém pois ninguém conheço e não me interessa conhecer. Ao contrário de as outras pessoas, não são as crianças a correr nas ruas com um sorriso que parece eterno estampado na cara que me alegra, não é a companhia de bons amigos, aqueles com quem saímos de casa e vamos beber um cerveja a um bar, contamos os problemas e nos gabamos dos feitos e das raparigas que conquistamos na rua. Não, hoje em dia apenas aprecio a solidão do meu caminho. Continua a ser esse o meu destino, após milhões de anos de luta, encontros épicos com senhores da luz e esperança, mortes trágicas destas almas imortais que invés de se tratarem como irmãos e unirem para dominar esta terra, andamos a combater até haver apenas um. Cegos somos pela raiva e inveja que sentimos por dentro que não conseguimos chegar a consenso acerca de um líder para nós, para a humanidade e para esta terra. Há milhões de anos, fomos criados.
Passo por meio de candeeiros e olhos expectantes, ansiosos por uma demonstração de habilidade com a minha espada. Espada essa que foi forjada no cume do vulcão Híntradu, lar e local de nascimentos de todos os anões, até hoje desconhecidos para os humanos. O seu aço é o material amaldiçoado dos deuses da criação. Cada um deles mato quando corto a cabeça a cavaleiros da luz que defrontaram o seu ultimo combate épico. Que as suas almas descansem e regozijem da paz de Valhalla. Sinto mais uma vez a observação dos seus olhos verdes, atentos como que um felino selvagem à espera do momento certo para saltar e dominar a sua presa. Os seus olhos queimam-me a nuca, por isso sei que ela está ali comigo. Da última vez que nos defrontamos, ela prometeu deixar-me em paz, pois sou um homem amaldiçoado e um amor destes apenas me traria mais dor e desperdício de tempo que a noite. Ela segue-me à dias. Nenhum de nós consegue negar o amor que sentimos um pelo outro. Queima por dentro uma chama incessante que se limita a ocupar-me a mente com pensamentos de pecador. Ocupo a mente com uma melodia dos deuses para me distrair da sua presença e continuo a caminhar rumo ao destino desconhecido. Quem sabe, se calhar até será o meu fim.
Piso as folhas secas de Outono no chão enquanto entro na floresta controlada pelos ocultos elfos. Os humanos não os vêm pois são demasiado lentos. Estas árvores, duras como o aço da minha espada, constituem a floresta de Salihitri, a floresta encantada dos elfos. Os humanos lentamente a destruiram com as maquinações, por isso as nossas almas imortais, que conseguem ver os elfos, estão proibidas de lá entrar a menos que seja por convite ou à força. Nenhum dos dois é o meu caso. Estou ali mesmo para me aproximar do meu destino. Parado à frente da floresta, vejo os olhos brilhantes dos elfos escondidos no escuro à espera de um movimento meu. Que seja aqui que eu descanse eternamente. Começo a andar pela frente e noto a sua precipitação para me impedir, apesar de nunca se aproximar de mim. O seu desleixo fez com que ela se mostrasse e agora tem os olhos dos elfos pousados nela. Não olho para trás para evitar que haja qualquer tipo de comunicação que a faça chorar e impedir-me assim de continuar por este caminho. Não aguentaria ver os seus lindos e míticos olhos verdes a chorar lágrimas de amor. Seria superior a mim. Caminho em frente e penetro na floresta. Os olhos já não estão focados em mim mas sim nela. Parece que me deixam passar, mesmo não tendo sendo convidado. Encontrarei luta mais à frente contra os Elfos de Sothür ou conseguirei atrevassar o meu caminho em paz? Agora não interessa. Perco-me também na escuridão na esperança de que ela passe também. Pode não ser uma companhia para falar mas sempre é uma companhia. Para além de que sei que fico com a retaguarda vigiada. Ela vem em frente e também penetra na floresta sem problemas. Espero por ele por entre duas árvores. Posso precisar da sua ajuda para derrotar os elfos de Sothür mais no futuro, caso seja esse o caso.
Ela olha para todos os lados à minha procura e começaria mesmo a correr, não fosse eu agarrá-la por um braço.
- Deixaram-nos passar na entrada. Isso só acontece porque notaram que somos demasiado poderosos para eles e deixaram-nos para os cavaleiros de Sothür ou porque viram que não lhes queremos mal e deixar-nos-ao seguir o nosso caminho. De qualquer das maneiras teremos de caminhar juntos até ao fim da floresta. - Conseguia ver na cara dela a vergonha por ter sido descoberta a fazer algo que ela própria tinha concordado em não fazer.
Caminhamos no silêncio da noite, sempre cientes de que estávamos a ser observados por mil e um olhos que se formavam numa enorme nuvem cinzenta sobre as nossas cabeças enquanto passávamos por entre estas árvores que milénios duraram. Nunca olhando para o lado, sabendo que não era o medo que a possuia mas sim a vergonha e embaraço. Estar na companhia dela fazia-me sentir bem mas tinha agora de me concentrar em algo mais importante do que a beleza divinal da sua juventude. Vejo no fundo, muito depois desta fase primária da floresta, luzes de tochas e fogos ateados. Os Sothür foram com certeza chamados a intervir. Não teríamos mais algum remédio que não lutar. Parei por um momento para observar o reboliço ao longe, tentando captar quantos eram exactamente. Ela parou ao meu lado. Só aí olhei para ela e vi que os seus olhos brilhavam com a luz das tochas ao longe. Estava a chorar. Mesmo com o perigo eminente dos Sothür, a elite dos elfos, e com a constante observação dos elfos guardas da floresta, ela não conseguiu conter as lágrimas. Mas não quis dizer nada. Penso que reparou que estávamos à beira de um desfiladeiro, com a Lua a brilhar no céu limpo, a ser observados por aqueles que nos consideravam inimigos e a observar aqueles que seriam o nosso maior desafio. Deve ter achado romântico. Para ela poderíamos morrer ali, assim ela saberia que a amaria até à morte. Mas como estamos destinados a uma vida infinita, o amor parece-nos sempre tão relativo e pouco profundo. Uma coisa superficial que se vai esmorecendo com o passar dos séculos.
Recomecei a andar, cada vez mais depressa, tentando fazê-la esquecer aquele momento e fazê-la aperceber daquilo que iríamos sofrer. As suas lágrimas rapidamente foram limpas pela brisa quente que por ali passava. A sua face parecia agora determinada e pronta para a luta. Enquanto andava tentei elaborar um plano de fuga mas todas as saídas iam dar a luta.
-Vamos ter com eles. Se queremos realmente passar esta floresta teremos de dizimar os guardiões desta floresta. A minha mãe guiar-nos-à. - com isto dito deixei que a minha alma tomasse conta do meu corpo e a transformação começou. A minha face desconfigurou-se revelando os meus caninos saliente, os meus olhos pareciam agora manchas pequenas na minha face e a minha expressão causava horror a todos os humanos. As minhas asas pretas saíram do meu esqueleto. Estava então pronto para a batalha, só me faltava tirar a espada. Olhei para ela e vi que a sua face continuava bela, mesmo que transformada. A sua transformação era simples. Apenas lhe saíam as asas vermelhas e os caninos ficavam salientes. Os seus olhos belos continuavam iguais. Algo que ela sempre detestou. Gostava de conseguir assustar os humanos apenas com a sua face mas tudo o que consegue fazer é enfeitiçá-los com a sua beleza. Voámos juntos em direcção às luzes.
Já no ar, ela deu-me a mão. Via o que ela pensava e sentia mas não dizia. Ela sabia que eu sentia o mesmo. Algo nasceu naquele momento pois todas as flechas e lanças que nos foram atiradas falharam. E os elfos têm a reputação merecida de nunca falharem uma flecha que seja, desde treinos a combates. Abráçamo-nos e beijámo-nos. Então lançamo-nos ao desafio. Mas nada parecia ser um ataque contra nós mas sim uma preparação para uma partida para guerra. Nunca esperei que os visse assim mas então assustei-me apenas de pensar naquilo que eles pensariam que ia-mos fazer,transformados, cheios de raiva e com sede de sangue. Vi então o rei dos elfos. Ele também me viu. Desci em direcção a ele até que flechas e lanças de aviso foram atiradas. Então deixámo-nos cair ao solo e decidimos continuar o caminho a pé.

Continua...

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